sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Adriano Nunes: "Estranheza"

"Estranheza"


O mundo. Podre como sempre
Pode ser. Cruel como sempre
Pode ser. Injusto com quem
Parece desvendar os seus mistérios.
Tudo é discurso e prática lesivos.
Tudo é algaravia, e massa acéfala
A girar, a sangrar e a seguir, como testa-de-ferro.
E não basta a alegria cega e frenética.
Não basta a dose de espanto e tédio.
O horror fétido atiça a fúria e mostra os dentes.
Ser gente é não compactuar com o outro, parece.
Ser gente é fazer parte do medo.
Do grande medo de tudo que é ser gente.
Somos obrigados a ficar lerdos e
Calados. A ficar à mercê do tempo de
Escravizar-nos, por causa da esperança que
Já não mais consegue deixar de ser
Manca e maliciosamente nefasta e ética.
Porque é esta a ética dos moralizadores secos.
Porque esta é a ética do rebanho que se verte
Em ordem legitimadora de violências e degredos.
Ah, tarde de não querer saber de nada mais e além!
Ah, instante de horror perigosamente nonsense!
Ah, cercas e farpas de ideologias frias e férteis,
Que têm engendrado assassinos e heróis e deuses!
Porque não há não há um abismo apenas,
Todas as vozes se perdem.
Todos os ecos se adensam em metas e méritos, em mescla
De todos os absurdos iridescentes.
Somos um erro. Sempre um erro. Sem conserto,
Ao que tudo indica. Desde a morte séria
De Antígona à ratoeira de Hamlet. Ao peso
Da existência de algum Buendía. Aos sem
Expectativa de nada. Ao silêncio
De tudo que tudo represente.
Ao horror mesmo.

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