sábado, 2 de janeiro de 2010

ADRIANO NUNES: "Esperanças pesam e calham"

"Esperanças pesam e calham"




Passa o dia. Pela janela,
Vejo a rua. Vai-se a vontade
De viver. Nesse itinerário,
Cada passo dado é pirraça,

Mas não há nada pra fazer
A não ser esses versos tristes.
Tudo é sem volta. O paradeiro
Dos meus sonhos quem saberá?

O amor vagueia desatento
Feito o sangue dentro das veias.
Por onde quer ir, nunca pode -
Segue o percurso permitido.

Entre as dúvidas, o desejo
Cobra tudo. Apenas o tédio
Tem acesso livre à rotina,
Arruinando todo momento.

Ah! As infinitas lembranças
De quando o porvir era prova,
Grande angústia, realidade,
Pega-pega, pelada, pipa!

Meu coração não mais aguenta
Essa convulsão na memória,
Esse retrato impressionista,
Esse filme sem fim feliz.

Por que traz tanto tormento
Esse dia que passa? Evito
Observar aquelas pessoas
Que passeiam. Seres aflitos,

Máquinas, bichos, pensamentos:
Tudo é sem vez. Quantos ruídos,
Vozes, corre-corre, ilusões!
Estou mesmo preso a tal dia -

É véspera de um ano novo
E, talvez, outra jamais haja.
Preciso-me apressar! Agora
Onde estão todos meus amigos,

Minha família, a velha câmera,
O vinho, o champanhe barato,
Aquele abraço, aquela carta
Guardada no armário, minh'alma?

Tudo é pranto! O tempo parou
Em frente à rua. Que prazer
Invade-me subitamente
Fazendo-me crer no impossível!

Resgato-me do esconderijo,
Do meu quarto. Agarro-me ao mundo
Num só flerte, a todos os fios
Das Parcas. O destino vem

À tona: as roupas, os sapatos,
Âmago, relógio, perfume,
Planos, pressa, promessa, paz,
Poemas, perdões e pecados.

Sou eu! Sim, sou eu! Não há sobras
Do que ficou pra trás. Somente
Esperanças pesam e calham
Enquanto decido por mim.

As horas se tocam com força,
Conduzem-me à felicidade.
Compartilho com todos isso:
Ouvem-no? Meu coração bate!






Um comentário:

Ana Tapadas disse...

Fremente de vida, quase narrativo.
Gostei muito.
Beijinhos