"FARPAS, CARTAS E REVERBERAÇÕES" - de Adriano Nunes.
O sono não vem. Penso em como te pedir desculpas, por isso a nebulosa de tédio e enxofre não é capaz de fazer com que as minhas pálpebras caiam súbitas e encerrem o espetáculo de cores e matizes que compôs o meu dia. Não sei o que ainda me atormenta. Não ensaiei coisa alguma. Sei apenas que iria dizer-te como tudo se processou, como não poderia ter acontecido, como poderíamos ter evitado os desassossegos e as amarguras, como as mentiras não teriam força, como chegaríamos aos clichês de sempre sem que saíssemos machucados ou desconfiados de que era mesmo uma reprise, uma conversa banal, um mal-entendido.
O travesseiro foi jogado às infinitas dimensões da solidão. Levantei-me e, como um cágado, consegui alcançar o botão mágico que faria dessa noite um dia de sol em meu quarto. A claridade doeu-me na retina. Assustei-me. Estou exausto. Sou a bola de tênis, o vai-e-vem veloz que a qualquer momento mudará de trajetória. Ponho as mãos à testa e um frio me invade.
Por que insisto em pedir-te desculpas? Por que não esqueço as horas e ponho-me no vazio das incertezas do que possam vir a ser as incertezas, os erros e as entrelinhas? E se o jogo terminar por falta de quem está por competir? E se não houver jogo e as bolas só existem para que eu possa acreditar que há a relatividade dessa existência? E se não me perdoares por eu dizer-te o que eu não supus ser o essencial e o tudo-nada do pensamento ficar mudo? Cento e vinte batimentos! Esse dever ser o meu coração!
Desculpas? Perdão? Ah! Deves-me também se confrontarmos os fatos e as exatas tempestades de conchavos que alcançaram o meu lobo temporal enquanto a tua ausência se revestia de sonho e fidelidade. Então terei eu que aceitar todas as notícias advindas das trevas, que conciliar o meu espírito com a minha dúvida, apaziguar o meu coração e destruir os vestígios de uma traição só por que argumentas que a minha audácia e o meu ciúme são monstros, que as minhas idéias são corais verdadeiras, que as minhas suspeitas são humanamente iguais às de Otelo?
Não sei se a insônia me tem por eu não conseguir explicar-me ou por saber demasiado que fui traído.
Júlia bem que poderia nada ter comentado comigo. Mas naquele instante, naquele segundo insólito, todo aquele movimento, toda aquela minha saudade, todos os lances da vida noturna, as doses de tequila, a música e... Eu sabia! Eu sabia!
O amor não suporta carregar o Everest, não agüenta as armadilhas do desejo e da solidão, não resiste às artimanhas dos olhos e dos lábios, os toques ardentes das mãos, dos sussurros, dos dias passando como favônios e cercando a superfícies de portentos e novidades. Eu sabia!
Clara alimentou os leões que agora me devoram. Por que acreditei que duraríamos eternidades? Por que fizemos juras secretas, furamos os dedos, tatuamos nossos corpos, gritamos alto e ecoamos únicos, transamos nas escadas, em elevadores, em becos escuros, em casas de amigos e parentes, deixando rastros de gozo e preservativos, nossos pecados e nossa saúde, por aí? Que a mágoa de ti não me torture nessa madrugada.
Os ponteiros do relógio giram como hélices de ventilador. Nocauteia-me o sono. Estou preso ao que dizer sem entender cegamente o que é real ou malícia. Talvez essa carta resolva a minha inconstância, a minha carapaça de Minotauro arrependido... Que lamúria? Que farpa? Que prova? Não sei.
Clara! Clara! Clara! Um tormento de dissabores consome o meu ser. Desespero-me. Sou fraco. Tenho que aceitar estar convencido. O amor sempre vence? Os dragões do amanhecer rasgam o céu com o seu fogo solar. Deus não pestaneja. Decido começar a carta. As palavras somem como se estivessem contaminadas por meu cansaço e meu sono.
O meu vôo sai às oito e meia. Melhor seria não ir, mas o tempo de reparação já não mais permite vacilo. Concluo o escrito e o envelope é lacrado com lágrimas de insegurança e medo. São cinco e quarenta e cinco. O táxi me aguarda com sua buzina ululante.
O sono não vem. Penso em como te pedir desculpas, por isso a nebulosa de tédio e enxofre não é capaz de fazer com que as minhas pálpebras caiam súbitas e encerrem o espetáculo de cores e matizes que compôs o meu dia. Não sei o que ainda me atormenta. Não ensaiei coisa alguma. Sei apenas que iria dizer-te como tudo se processou, como não poderia ter acontecido, como poderíamos ter evitado os desassossegos e as amarguras, como as mentiras não teriam força, como chegaríamos aos clichês de sempre sem que saíssemos machucados ou desconfiados de que era mesmo uma reprise, uma conversa banal, um mal-entendido.
O travesseiro foi jogado às infinitas dimensões da solidão. Levantei-me e, como um cágado, consegui alcançar o botão mágico que faria dessa noite um dia de sol em meu quarto. A claridade doeu-me na retina. Assustei-me. Estou exausto. Sou a bola de tênis, o vai-e-vem veloz que a qualquer momento mudará de trajetória. Ponho as mãos à testa e um frio me invade.
Por que insisto em pedir-te desculpas? Por que não esqueço as horas e ponho-me no vazio das incertezas do que possam vir a ser as incertezas, os erros e as entrelinhas? E se o jogo terminar por falta de quem está por competir? E se não houver jogo e as bolas só existem para que eu possa acreditar que há a relatividade dessa existência? E se não me perdoares por eu dizer-te o que eu não supus ser o essencial e o tudo-nada do pensamento ficar mudo? Cento e vinte batimentos! Esse dever ser o meu coração!
Desculpas? Perdão? Ah! Deves-me também se confrontarmos os fatos e as exatas tempestades de conchavos que alcançaram o meu lobo temporal enquanto a tua ausência se revestia de sonho e fidelidade. Então terei eu que aceitar todas as notícias advindas das trevas, que conciliar o meu espírito com a minha dúvida, apaziguar o meu coração e destruir os vestígios de uma traição só por que argumentas que a minha audácia e o meu ciúme são monstros, que as minhas idéias são corais verdadeiras, que as minhas suspeitas são humanamente iguais às de Otelo?
Não sei se a insônia me tem por eu não conseguir explicar-me ou por saber demasiado que fui traído.
Júlia bem que poderia nada ter comentado comigo. Mas naquele instante, naquele segundo insólito, todo aquele movimento, toda aquela minha saudade, todos os lances da vida noturna, as doses de tequila, a música e... Eu sabia! Eu sabia!
O amor não suporta carregar o Everest, não agüenta as armadilhas do desejo e da solidão, não resiste às artimanhas dos olhos e dos lábios, os toques ardentes das mãos, dos sussurros, dos dias passando como favônios e cercando a superfícies de portentos e novidades. Eu sabia!
Clara alimentou os leões que agora me devoram. Por que acreditei que duraríamos eternidades? Por que fizemos juras secretas, furamos os dedos, tatuamos nossos corpos, gritamos alto e ecoamos únicos, transamos nas escadas, em elevadores, em becos escuros, em casas de amigos e parentes, deixando rastros de gozo e preservativos, nossos pecados e nossa saúde, por aí? Que a mágoa de ti não me torture nessa madrugada.
Os ponteiros do relógio giram como hélices de ventilador. Nocauteia-me o sono. Estou preso ao que dizer sem entender cegamente o que é real ou malícia. Talvez essa carta resolva a minha inconstância, a minha carapaça de Minotauro arrependido... Que lamúria? Que farpa? Que prova? Não sei.
Clara! Clara! Clara! Um tormento de dissabores consome o meu ser. Desespero-me. Sou fraco. Tenho que aceitar estar convencido. O amor sempre vence? Os dragões do amanhecer rasgam o céu com o seu fogo solar. Deus não pestaneja. Decido começar a carta. As palavras somem como se estivessem contaminadas por meu cansaço e meu sono.
O meu vôo sai às oito e meia. Melhor seria não ir, mas o tempo de reparação já não mais permite vacilo. Concluo o escrito e o envelope é lacrado com lágrimas de insegurança e medo. São cinco e quarenta e cinco. O táxi me aguarda com sua buzina ululante.
4 comentários:
Adriano!
O pior é que o tempo não volta. O relógio inconsequente segue em frente como se nada dissesse respeito.
O tal do "E....SE" não funciona.
Lembrei de quando trabalhava como voluntária para uma instituição de crianças carentes e com Neoplasia. Leiga, não conseguia entender muita coisa. Era um jogo de lutar e vencer. E quantas vezes o tempo venceu. O relógio disparou e impotente, nada se podia fazer.
Nem só no amor, o tempo é traiçoeiro.
MUITO BOM!
Um forte abraço!
Mirze
já conheço e admiro tua poesia lá da "casa" do Cícero, agora virei visitá-lo aqui, na tua "casa". Vou avisando: gosto de café e chocolate. rs
abração!
Amigo Fred,
seja muito bem vindo! Adoro café e chocolate também!
Grande abraço,
Adriano Nunes.
acho que não nos deve poupar de tua prosa instigante.
gostei muito.
gosto muito quando o poeta é dado aos caprichos da prosa. você acertou em duas coisas, na dinâmica da narrativa e nas imagens maravilhosas que produziu com comparações e metáforas.
muito bom, muito bom!
um beijo.
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