quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Adriano Nunes: "Este poema não era para esta noite"

"Este poema não era para esta noite"
 

Este poema não era para esta noite.
Entretanto, por causa de insólito instante
De incerteza em que me vi sozinho, sozinho,
A friamente desafiar o meu íntimo,
Desvencilhando-me de memórias e amores,
Desvendando que não desvendo mesmo nada,
Que quem me penso e sinto é sim uma furada,
Resolvi dá-lo a mim, agora, nesta noite
Quando parar parecem as reativas horas,
Quando o peito aperta e a existência, à espreita, pesa.
Um poema qualquer, sem qualquer pretensão.
Um poema a correr o risco de até não

Ser. Mas por que será que o seu campo magnético
Assalta-me, cerca-me, sonda-me e disseca-me?
Que pretende co' a sua desmedida métrica,
Com estas palavras repetidas e gastas?
Que conchavo arquiteta com a folha em branco,
À socapa, enquanto incapaz sou d'uma anáfora? 
Este poema não era para esta noite:
É que me encontro triste demais e não quero
Impregnar nenhum verso meu com um eu lírico
Decadente e mesquinho, ritmado e romântico.
Um poema é sempre uma alegria, um playground,
Um circo, um bilhete quente de loteria,

A descoberta da fonte da juventude.
É, este poema não era pr' esta noite,
Todavia, não irei guardá-lo, rasgá-lo 
Nem dedicá-lo a ninguém. E não vou moldá-lo
À primeira sinapse voraz. Que voz tem
À tez do discernimento? Estou pronto. Aceito-o.
Viva! Mas... Quando haverá de ser sua vez?
Que dor! Que dor! Este poema é um diabinho.
Bem qu' eu poderia queimá-lo e não ouvir
Os seus gemidos ou sua satisfação
Para com isso. Este poema não é
Que me trouxe uma inviolável felicidade!

Nenhum comentário: