sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Adriano Nunes: "A capite ad calcem"

"A capite ad calcem"



Antes da Poesia não havia 
Deuses. Os poetas deram poderes
Imensos àqueles. Foram capazes
De entregar-lhes a própria criação,
O paraíso, o que pode o pensar.
Hoje há homens, deuses e saídas
De emergência. E maliciosos mistérios.
Há um caminhar de homens, observem,
Que se repete. Em êxtase de haver.
Em curto tempo, chegara o primeiro
Homem. Queria saber onde estava
A saída de emergência. O que era
O paraíso era insuportável.
Pôs-se a abrir a porta e atirou-se ao báratro
Dos desejos tão seus. Deus era um bárbaro.
Não demorara um minuto, o segundo
Homem surgira. A saída sabia
De cor. Lançou-se sobre ela e só
Queria libertar-se de si. Era
Inútil. Cortara os pulsos e dera
O último suspiro. O paraíso
Era um vício. Deus era o vasto vácuo.
Vieram muitos. Quase todos. Homens
E mulheres. Indistintos. Famintos
Pela esperança de não mais ter que
Voltar ao paraíso. Antes o
Veneno inescusável da dor e
Dos medos. O tédio nada ofertava.
As trilhas pras saídas de emergência
Vingavam infinitas. Como tudo
Que existia, apenas em aparência.
Depois de alguns dias, cansado e trôpego,
Aparece um retardatário. Faz-se
Necessário agora dizer que as portas
Que dão pra o esquecimento são guardadas
Por uma Esfinge. Em vez de enigmas, essa
Busca desvendar o cerne de quem
Chega. Se o ser sabe à beça de si,
Ela o devora. Saber de si fora
Um preceito punitivo que Deus
Ordenara à fera pra que cumprisse a
Sentença. Saber de si implicava
Também dos outros. Era morte certa.
Então, com astúcia e técnica, a Esfinge
Pergunta: homem de onde vem?
Não sei. Responde o homem. E pra onde
Quer ir? Não sei. Como se chama?
Homem, porque assim me chamas agora.
Impaciente, a Esfinge olha para
O alto céu. Volta o olhar para o homem
E, sem questionamentos, devora-o.
E virão os outros retardatários.
E sempre vão existir as saídas
De emergência. E a Esfinge. Escolhas. E o êxtase.

Nenhum comentário: