sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Adriano Nunes: "Yarelin e a morte"

"Yarelin e a morte"


Quando Yarelin tentou matar-se,
Parecia não mais existir tarde
Nem a ideia de existir mesmo tarde.
Era uma noite chuvosa, e tudo
Desatou-se em desassossegos e
Desmedidas quimeras de devir.


A saída é por aqui! Por aqui! -
Gritavam os mil demônios de si.
Seu âmago buscava a morte, certo
De que a morte viria como vem
Sempre quando se procura por ela
Os que só podem procurar por ela.


Fechou o ser e todas as janelas.
Sobre suas pernas, pôs a esperança,
Gasta, cansada, carcomida, manca.
A morte nem aí. Yarelin era
Só outro Yarelin que iria só...
Implacável e intolerante, a morte,


Cética de qu' essa existência exala
Chances  e recomeços portentosos,
Calcula cada gesto e golpe. Pode
Ser que dê bem certo dessa vez! - pensa em
Voz alta, já especulando o pranto
De todos os que poderiam ver


O seu corpo sendo apenas um corpo.
Era outro enigmático jogo. Um lance e...
Sentado, na beira da cama, triste,
Como parecem estar os que insistem
Em não ver sentido no fato de
Estarem sentados, na beira da


Cama, tristes,sós, esperando o click
Fatal. Eis que ela se aproximou,
Com arrogância e ganância. Adianta
Sonhar agora, Yarelin, já no fim?
Adianta a memória, com seus gozos?
Assustou-se. Não poderia ser


A morte essa contradição esnobe.
Por que não era mais forte do que
O pensamento de morte? O não-ser?
Quando o frágil jovem ousou matar-se,
Parecia não mais existir arte
Nem a ideia de existir arte. Quase


Às quatro da madrugada. Silêncio
Dentro das metáforas. Desatento,
Yarelin do ato a seguir não sabe
Senão que será o próximo ato.
Tira os sujos sapatos. Faz um laço.
Cria um norte. Um riso tímido salta


Do desejo de não ser Yarelin.
Deita sobre o chão da fria saudade.
Se a vida é tediosa, a morte é chata,
Constata. Afaga o átimo que passa.
Ri da torpe tolice. Estás mais triste? -
Interroga o cadafalso, deixado


De lado. A morte, à socapa, se esvai
De soslaio. Leitor, que importa mais?
A cidade se agita - dá pra ver
A aurora através da vasta vidraça.

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