sábado, 27 de outubro de 2018

Adriano Nunes: "Portento"

"PORTENTO"


DOQUEARMAR
DOQUEARMAM
DOQUEARMME
DOQUEARMEL
DOQUEAMELH
DOQUEMELHO
DOQUMELHOR
DOQMELHORA
DOMELHORAM
DMELHORAMA
MELHORAMAR


Adriano Nunes

Adriano Nunes: “Göretzyn e o horror”

“Göretzyn e o horror”



Não houve manhã para este dia
Que se fez noite antes do instante
Previsto, como se o tempo, às pressas,
Saltasse de si, com tanto medo
Do intervalo, a sua própria forma.
Estão muito assustados, agora,
Exceto Göretzyn, que já mesmo
Decidiu não mais ser coisa alguma.
Estão todos bastante assustados.
Será que virão íntimos bárbaros?
Göretzyn deu-se mudo ao que resta.
Ele não fala porque as palavras
Não lhe servem para nada. Nada
Do que pensa vem de si, nem essa
Esperança arriscada que têm
As pessoas de Rylsab. Ninguém
Ousa dizer que está tudo bem.
Ninguém ousa dizer que está mal.
Apenas Göretzyn sente o peso
Do alívio de não ser. Não importa
Que a morte lhe traga a boa-nova.
Nada da existência lhe interessa.
Nada do infinito amor lhe traz.
Não lê jornais. Não tem os desejos
Banais que a paz oferta vez em
Quando. Ele sabe que o horror vem
Com as vestes da voraz vingança.
Göretzyn de si assim se cansa.
Ele pensa que deixou de ser
Quem ele supõe ser quem se sente.
Faz um calor imenso nesta treva.
Rylsab é terra de ninguém mais.
Mata-se porque se é, por ais
Que o espírito dilaceram, mata-se
Por haver tempo e lugar, por álacres
Gestos de humanidade. Não choram
Mais as crianças. Brincam sequer
De ser crianças. Dormem na noite
Antecipada, da angústia à tez.
Porém não terão voz e nem vez.
Dormem a ilusão desse porvir
Estilhaçado por crenças falsas.
Dançam rindo a fúnebre marcha
Da intolerância prêt-à-porter.
Göretzyn pensa em pular da ponte.
Ah, pobre Göretzyn! Já não há
Pontes que o conduzam para lá.
Não há esse “lá”, sinta, saiba!
Não há porque a vida se desfez
Ante o ódio comportado, sob máscaras,
Ante a hipocrisia citadina!
Não beba dessa cicuta pura
Das conveniências, dos padrões!
Você irá viver novamente!
Você irá morrer novamente!
Vão torturá-lo sempre, ruí-lo,
Reerguê-lo, destruí-lo, sempre,
Sempre. O horror não somente o deseja,
Göretzyn, como dele grã parte!
O horror até lhe deu outra face,
Não percebe? Por isso não quer
Ser Göretzyn. Atira-se ao vácuo
Das sinapses, o apagar das luzes,
As atrocidades dos seus monstros
A preencher o destino, o olhar.


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Solidão"

"Solidão"


Calor. O sol não está
Para brincadeiras.
Tudo parece que ferve.
Ar, terra, ser, mar.
A cidade em febre.
O ódio e o amor já
Não se escondem. Deixa
Que te conte, então,
Sobre a solidão.
Ela dói à vera,
Fere feito fera.
Tu virás ou não?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "A poesia" - para Fernando Sérgio Tenório de Amorim, por seu aniversário (23/10)

"A poesia" - para Fernando Sérgio Tenório de Amorim, por seu aniversário (23/10)


A poesia
Nunca seria
O que mais é 
Se apenas fosse
Possível ser
Como queremos.
Barco no mar
Sem quaisquer remos,
Sem velas, já
Próximo até
Do inescapável.
Gás inflamável
À beira da
Chama do nada.
A poesia
Tem mesmo lá
Data marcada
Quando almejamos
Louvores dar
A quem amamos.
Com metro e ritmo
Precisos, fiz
Para você,
Querido amigo,
Ser mais feliz
Do que tem sido,
Algumas quadras
Vindas da alma!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Não lamentes teu descaso"

"Não lamentes teu descaso"


Quando for o novo dia,
Não digas que não sabias,
Que nunca fora avisado
O teu ser, os teus e todos
Aqueles que muito amar
Falavas. Ah, quando for
O dia de grande horror,


Não lamentes teu descaso.
O horror não mata ao acaso.
Vinga a matar e não basta.
Ele não só mata o corpo.
Ele não só mata a alma.
Quando não puderes mais
Fugir, irás querer paz,

Quando não puderes mais
Gritar contra a vil censura,
Quando não tiveres mais
Força alguma contra o crime,
Quando nada te redime
Mais de ti, quando mais não
Puderes pedir perdão

A ti mesmo pelos erros,
Pela estúpida cegueira,
Que a vida esvai-se verás.
A de muitos, acredita!
Vê, talvez seja a primeira
Vez que entendes o amor
Por todos, o que findou.

Melhor: este amor à vida
Que existe em democracias.
Ah, quando for o tal dia,
E perceberes aflito
Que puseste, sim, em risco
As liberdades, com que
Verdades vais-te rever?

Ah, não puseste a perder
Tudo, devido ao poder
Que atrai humanas vontades,
Que detesta as diferenças,
Que com dor se regojiza?
Quando for o triste dia,
Que olhes pra trás, não basta!

Quando levarem teus amigos,
Quando estuprarem amigas,
Que não sabias, não digas.
Quando entrarem em teu lar,
Acusarem-te do que
Sequer há, que irás fazer?

Quando souberes que estão
Demitindo dos empregos
Colegas de profissão,
Por pensarem diferente,
Que falarás para os filhos
Destes? Que é a tua gente
Que outrora bem defendias?

Será que terás coragem
De admitir que tão covarde
Foste? De que agora vale
O arrependimento frio
Ante o horror enraizado
Em toda a esfera civil-
Mente lesa do Brasil?

Que dirás para ti mesmo
Quando até tiveres medo
De ti diante do espelho
Cruel da realidade?
Que restará de ti, tendo
De inexistir em ti, dentro?
Por que não mudas a tempo?

Adriano Nunes

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Adriano Nunes: "Numa caixa d'osso" - para Antonio Cicero


"Numa caixa d'osso" - para Antonio Cicero


O cérebro pensa
Estar sobre tudo,
Ainda que mudo,
Além-imanência, 

Plantado no alto,
A eus-eixos preso.
Entre mil cabelos
E a vértebra Atlas, 

Numa caixa d'osso,
O cérebro sente
Ser só. Diferente-
Mente, do pescoço

Pra baixo, um liame
Faz-se pelos órgãos
Vassalos, então.
Ah, ninguém reclame

Do sol das sinapses!
Um amor perdido,
Os versos no olvido
Do trilhar do lápis!


Adriano Nunes


Adriano Nunes: “soneto ao pensamento”

“soneto ao pensamento”


preciso engendrar um
pensamento que
não se limite a vir 
de dentro, um pensamento
que não mais se limite
a ser só pensamento.
que ao ser sirva de liga,
o múltiplo de si,
que, de algum modo, diga
a que vem, um pensar
pensado, sopesado,
pra qu’ eu possa senti-lo
fundo e fora, no mínimo,
como bálsamo, agora.

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Doem-me os desassossegos de ser eu"

"Doem-me os desassossegos de ser eu"


Ó, tristeza, vê se somes, vê se
Deixas mesmo pra lá tudo o que esse
Instante quer marcar, ó, grã tristeza,
Vê se desapareces da cabeça,

Do peito, dos cansados braços, se
Podes, sem vis surpresas, sair desse
Espírito, do corpo, vã tristeza,
Vê se foges de mim, feito certeza!

Doem-me os desassossegos de ser eu
Os acasos de ser quem mais me penso
E peso! Doe-me tudo e tudo é denso

E ferve adentro: sentir é intenso!
Ó, labirintos do que aconteceu
Às ilusões! Tristeza, dize adeus!

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "De sabê-los em mim, agora, assim"

"De sabê-los em mim, agora, assim"


Dizer do amor o amor já decantado
Em cada verso escrito, não por mim,
Mas por antigos bardos que a meu lado
Abrigo sempre, mestres do sem-fim

Estético, do gênio que tem dado
À existência o sentido raro, enfim,
Imergir em meu metro o sonho alado
De sabê-los em mim, agora, assim.

Oh, poetas queridos, qual o bem
Maior poderá ser do que o contato
Que tive com os sóis vossos e além?

Oh, quartos, Grécias, Ítacas! De fato,
Sei que estive em épocas que já nem
Têm como expostas ser de modo exato!

Adriano Nunes: "Da inquietude de tudo" - para Frejat

"Da inquietude de tudo" - para Frejat


Sim, já faz algum tempo
Que ouvi, além dos muros
Da inquietude de tudo,
O grito do alheamento
A reclamar de Métis
Um átimo a mais, talvez
A vida duma vez,
O desejo sem lei.
Sim, já faz certo tempo
Que senti, fundo, dentro
Da solidão de ser
Quem me percebo e penso
O susto dos que estão
Em apuros co'a verve
Dos sóis do coração.
Ah, quanto já sonhei!
Vem, Mnemósine, a tempo
De engendrar em mim mundos
Sonoros, o que excede
Do óbvio, à flor do Lete!
Sim, tanto tempo fez
Que abriguei no olhar quão
Do amor vinga canção.

Adriano Nunes: "Θάνατος" - para Gal Oppido

"Θάνατος" - para Gal Oppido


Da Noite, o filho mais temido,
É o que os tais humanos têm dito.
Do Destino, o lance fatal,
Súbito, às vezes, outras mal
Podemos descrever, qual nuvem
Escura no céu, tudo ilude.
Um gesto e... Traz o inesperado
À tona: a existência tão frágil
Parece render-se a seu ato
Nefasto. Dizem ser mais forte
Que o próprio pensar e que pode
Verter o Tempo que é contado
Em memória, em silêncio e olvido.
Ó Tânatos, deus dos acasos
Que a vida têm atormentado,
Como escapar de ti, se existo?


Adriano Nunes

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Adriano Nunes: "Ah, por que não o amor?"

"Ah, por que não o amor?"


Ah, pedir uma pizza nunca foi tão fácil!
Vem de moto, vem logo.
Ah, tudo é mesmo móvel, 
Ah, tudo é demais lógico!
Ah, por que não o amor?
Por que nunca chegou
A tempo de mordido
Ser, comido, sentido
Total? Por que não veio,
Via emeio, sem freios,
Através dos Correios
Etc e tal?
Pedir sushi nunca foi tão banal agora!
Vem de táxi, de bike...
Quando menos se espera
Até de drone já
Na janela, na porta!
Ah, por que o amor demora?
Como fazer pra vir,
Via sedex, embrulhado,
Feito presente, urgente,
Ligeiro, para ser
Um denso amor primeiro,
Pra ser pra sempre e ser
Devorado, com máximo
Prazer? Será que agora
É você?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Ó, solidão de sóis e riscos!"

"Ó, solidão de sóis e riscos!"


Madrugada. Sono é não ser.
Tantas tristezas impregnadas
Em minha face, aquela mágoa
Mesquinha, em busca de porquês...

Ah, por que temos que existir
Pra tudo, para o nosso íntimo?
Ah, por que temos que sentir
A dor de existirmos assim?

Tragam-me o vinho de Dioniso!
Tenho pressa! Tragam-me a Lira
De Erato! Tragam-me a esperança
De que esperar mesmo adianta!

Ah, por que dói-me o ser em si?
Por que me fere a expectativa
De haver saída intempestiva?
Por que esperamos o porvir?

Ó, solidão de sóis e riscos!
Tragam-me o ácido do amor,
Urgentemente! De Cupido,
As flechas acertem-me, às pressas!

Madrugada... Sonhar é ver
A ferida do agora aberta.
Ah, sofrimento multiforme,
Que queres fazer do meu ser?

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Que queres, solidão?"

"Que queres, solidão?"


Que queres, solidão?
Um Buendía engendrar-me?
Um Sísifo de carne
E osso, para nada?
O vazio da cama.
Passeio sem mãos dadas.
Aquele olhar pra os lados
A medir os espaços.
Ah, sempre me salvaram
De dores as manhãs,
Dos pássaros os cantos,
Da flor o despertar,
Fazendo a vida em pétalas,
A leitura dos vates...
Afinal, mesmo vale
A pena decantar-te
Em meus versos, ou não,
Astuta solidão?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Montesquieu"

"Montesquieu"


o
om
ome
omed
omedo
omedos
omedose
omedosem
omedosemp
omedosempr
omedosempre
omedosemprea
omedosempreau
omedosempreaum
omedosempreaume
omedosempreaumen
omedosempreaument
omedosempreaumenta
omedosempreaumentat
omedosempreaumentatu
omedosempreaumentatud
omedosempreaumentatudo


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "PARACAETANOVELOSO"

"PARACAETANOVELOSO"


CONCRETOOFERTÓRIO
CONCRETOOFERTÓRIP
CONCRETOOFERTÓRPA
CONCRETOOFERTÓPAR
CONCRETOOFERTPARA
CONCRETOOFERPARAC
CONCRETOOFEPARACA
CONCRETOOFPARACAE
CONCRETOOPARACAET
CONCRETOPARACAETA
CONCRETPARACAETAN
CONCREPARACAETANO
CONCRPARACAETANOV
CONCPARACAETANOVE
CONPARACAETANOVEL
COPARACAETANOVELO
CPARACAETANOVELOS
PARACAETANOVELOSO


Adriano Nunes

Adriano Nunes: “Economia”

“Economia”


Nasci sob os efeitos
Do Cruzeiro,
Em meio à ditadura,
À estrutura esdrúxula
De não ter direitos.

Cresci co’ a esperança
De ser verdadeiro,
Da ponta do pé
Ao cabelo.
Passo a passo,

Nos anos oitenta,
No fim de fevereiro,
Acertou-me em cheio
O Plano Cruzado,
Houve até retorno

Dos parcos Centavos.
Não demorou mesmo!
Um outro dinheiro,
- Eu já era um moço,
Ainda que tolo! -

O Cruzado Novo,
Com forte cruzado
Machucou meu bolso.
Sofrer não é pouco!
Até que em meados

De março, retorna
O Cruzeiro.
O mercado é solto!
Mudou-se a moeda,
A miséria é velha

O momento inteiro.
E o ser dilacera.
Depois, - nunca esqueço! -
Quase surreal!,
Das cinzas renasce

O Cruzeiro,
Agora Real.
Não durou
No total um ano
Sequer. De lá para

Cá, preciso, vejo,
Cair na real,
Na realidade
Cruel do Real.
Pois sou brasileiro.


Adriano Nunes 

Adriano Nunes: "Solilóquio"

"Solilóquio"


Sempre tive medo de saber-me
Inteiramente.
Primeiro, porque não sei
Quantos em mim há.
E se houver tantos que têm
Medo do que me sinto e penso?
E se, em meio aos outros de mim,
Eu me descobrir como um outro
Que não me reconhece?
E, ao saber-me todo, de que isto me serve?
Será que me tornaria mais leve?
Ao ser-me sem saber quem sou,
Sinto a madrugada esvair-se aos poucos.
Ser é ter fim?
Ah, metâmeros de meros sentidos!
Sempre tive medo de dar-me a espelhos.
Seria a imagem de silício e silêncios
A parte de mim que me reclama,
Que clama por mim, que se estende
Do olhar às sístoles e diástoles
Da alegria sem fim?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "A Mulher do Pau-Brasil"

"A Mulher do Pau-Brasil"


AMULHERDOPAUBRASIL
AMULHERDOPAUBRASIA
AMULHERDOPAUBRASAD
AMULHERDOPAUBRAADR
AMULHERDOPAUBRADRI
AMULHERDOPAUBADRIA
AMULHERDOPAUADRIAN
AMULHERDOPAADRIANA
AMULHERDOPADRIANAC
AMULHERDOADRIANACA
AMULHERDADRIANACAL
AMULHERADRIANACALC
AMULHEADRIANACALCA
AMULHADRIANACALCAN
AMULADRIANACALCANH
AMUADRIANACALCANHO
AMADRIANACALCANHOT
AADRIANACALCANHOTT
ADRIANACALCANHOTTO


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Θάνατος" - para Gal Oppido

"Θάνατος" - para Gal Oppido


Da Noite, o filho mais temido,
É o que os tais humanos têm dito.
Do Destino, o lance fatal,
Súbito, às vezes, outras mal
Podemos descrever, qual nuvem
Escura no céu, tudo ilude.
Um gesto e... Traz o inesperado
À tona: a existência tão frágil
Parece render-se a seu ato
Nefasto. Dizem ser mais forte
Que o próprio pensar e que pode
Verter o Tempo que é contado
Em memória, em silêncio e olvido.
Ó Tânatos, deus dos acasos
Que a vida têm atormentado,
Como escapar de ti, se existo?


Adriano Nunes

Pablo Neruda: "Soneto XXV" (tradução de Adriano Nunes)

"Soneto XXV" (tradução de Adriano Nunes)


Antes de amar-te, amor, nada era meu:
Vacilei pelas ruas e pelas coisas:
Nada contava e sequer tinha nome: 
O que há era do ar que esperava.
Eu conheci salões de tons cinzentos,
Os túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam sobre a areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tuas beleza e pobreza
De dádivas impregnaram o outono.


Pablo Neruda: "SONETO XXV"


Antes de amarte, amor, nada era mío:
vacilé por las calles y las cosas:
nada contaba ni tenía nombre:
el mundo era del aire que esperaba.
Yo conocí salones cenicientos,
túneles habitados por la luna,
hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena.
Todo estaba vacío, muerto y mudo,
caído, abandonado y decaído,
todo era inalienablemente ajeno,
todo era de los otros y de nadie,
hasta que tu belleza y tu pobreza
llenaron el otoño de regalos.

NERUDA, Pablo. Antología General. Lima: Real Academia Española, 2010, p. 344.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Adriano Nunes: "Enfim, só sei que demais eu quis"

"Enfim, só sei que demais eu quis"


Já faz tanto tempo que perdi
O rumo que me levava a ti.
Sequer sei se fora um risco, um vício,
Enfim, só sei que demais eu quis
Livre ser e seguir por aí.

Mudei de lar, de lua, de lei,
Dei para sonhar comigo apenas.
Refiz canções  e rasguei poemas...
Na roda do rock do Infinito 
Entrei: dancei mesmo solto, vivo.
Assim que em mim me experimentei.

Ah, faz tanto tempo que adquiri
O sumo de tudo que há aqui.
Não sei se agora arrisco -  é isso! -,
Ou dou o fora... Sou mais feliz!
Certo é que irei me divertir.


Adriano Nunes

Adriano Nunes: Para a arte" - para Hélio Eichbauer (in memoriam)



Para a arte" - para Hélio Eichbauer (in memoriam)



Cada ato,
Cada gesto 
Mesmo gráfico.
Cada tela,
Cada área...
Tudo estreia!

Cada verso,
Cada imagem
No universo
De haver palco.
Do Estrangeiro 
A Abraçaço,

Até  às 
Caravanas.
Da grã verve
Tudo emana.
Do teatro
Mais dramático

Ao espetáculo 
Musical.
Quem os viu
Bem dirá:
Nada há 
Mesmo igual!

E, de lá,
Do profundo
Da saudade,
Rei da Vela,
Rio de Imagens,
Eis a lágrima. 


Adriano Nunes

Adriano Nunes: “Non sponte”

Non sponte


Não procuro a solidão 
Por gosto. Já decidido
Estava mesmo em mim, não 
Por opção, mas por Cupido.

As flechas gritavam: “ido
É o instante, pois só são 
Dos deuses vez e sentido.
Corre, que o amar é aflição!”

Não busco satisfação 
Que perdure além do Olvido.
Já me vi demais ferido
Por dizer sim, dizer não.


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Dize-me quem sou, oh dor!"


"Dize-me quem sou, oh dor!"


Oh, dia tenso e pleno de vazios dilacerantes!
A tensão tangenciou uma tristeza voraz  e transcendente. 
Perguntei-me, angustiado, se sempre tem que ser assim, se sempre tem que ser com muita dor e dificuldades, 
Se tem que roçar o nosso limite, a nossa existência. 
Nessa hora escura, dos corvos e das expectativas asfixiantes, 
O que fazer, onde buscar um bálsamo? 
Como procedem os sábios ante a tormenta do agora, 
Que ditam os manuais de virtude e sabedoria,
Onde a nossa humanidade mais intacta 
Se acha, para não nos deixarmos ficar
Abalados com as intempéries do acaso 
Ou do determinismo cruel das divindades? Fechei os olhos. Lembrei-me de Cristo,
Shakespeare, Montaigne, de Gracián, 
Do sábio de Concord, de André Comte-Sponville, 
De Sêneca e Cicero, de Kant e Nietzsche, de Jó, 
Das máximas e sentenças de La Rochefoucauld e 
Goethe, dos ensinamentos de 
Simone Weil e de Hannah Arendt, 
Dos Pré-Socráticos. De Platão e Aristóteles. 
De Spinoza. Da minha amada mãe. 
Tudo dói enquanto tudo. Respirei fundo.
Escrevi um poema em inglês. Um poema fraco, meloso. 
Queria dizer do meu amor pela poesia. 
Este amor mor que me mantém vivo. 
Se a poesia não tem finalidade, ela tem uma vasta função humana. 
Lembrei-me de Pessoa com toda a sua genialidade e amplidão 
Naquele quarto pequeno a ser mais 
Que tudo e todos. Lembrei-me da alegria 
Da liberdade da poeta chinesa, do resgate das crianças tailandesas. 
É preciso lembrar para o mundo doer menos. 
É preciso esquecer para a vida doer menos. 
É preciso cantar o instante que dói e dilacera
Para que haja a catarse necessária. Sempre
Estaremos cometendo erros. E sempre 
Estarão peremptoriamente a nos cobrar
Imperdoavelmente por isto como temos também cobrado 
Dos outros. A nossa moral falida a reconstruir
O espetáculo de horrores que engendramos
Em nós porque somos incapazes de reconhecer e respeitar
Aquilo que se distingue de nós, desde o símbolo ao ato, 
Desde a matéria bruta ao espírito, 
Desde a descrença à fé. 
A razão tem me salvado dessas dores, certamente. 
Tem-me dito: "calma, se for preciso, escreva e escreva... tudo passa". 
Lembrei-me de Vieira e dos Sermões. 
Dos versos de Bandeira e Baudelaire. 
Dos amigos que escrevem versos todos os dias por amor à poesia 
E, talvez, nunca venham a publicar um livro.
Lembrei-me dos horrores do fascismo e nazismo. 
Ah, lembrei-me de que preciso estar atento e firme contra tudo que me penso e sinto, se necessário, 
Para evitar o egoísmo banal e indiferente ao que não sou. 
Quis chorar. Quis voltar à infância já corroída pelo ácido das desesperanças. 
Quis sentir e sentir-me. Já é noite.
Assombram-me os vestígios de que falhei comigo a vida inteira! 
Aterroriza-me a frustração de haver outros em mim a que não pude dar vez ou chance. 
Quero gritar, e o grito é esta estética de alicerces que me desenganam de mim. 
Fui o que as minhas esperanças me choraram.
Fui o espectro das verdades que descartei enquanto estava a salvo 
De quem eu poderia ser sem meus assaltos de ilusão e tédio! 
Já é noite. Dez para as dez. Baco não veio 
Para comemorarmos os destinos das minhas tentações. 
Erato acena de longe com a sua lira. Estou só na escuridão do quarto. 
Tudo dói enquanto tudo. Tudo se desfaz em proeza e pressa, 
Porque angústias e pesos se acumulam em meu âmago. 
Tento afastar o abutre do fígado de Prometeu.
Ah, por que me atormenta fundo ser a pedra, a corrente, o abismo? 
Por que me destrói a facilidade de dizer isto com a clareza dos dias de sol na alameda,
Depois dos escassos horizontes de felicidade? Hoje foi um dia tenso. 
Quis mais de mim, mas sou o das saudades eternas,
O grego deslocado no tempo prestes a partir para Ítaca, onde já não há o tempo! 
Lembrei-me de que te amo. Ó, Poesia, 
Volta do absurdo e leva-me à fatalidade de ser!
Devolve-me o arco e a flecha dos desatinos rítmicos e métricos! 
Canta, oh, Musa ignota, a primeva ode qual bálsamo e devir! 
Oh, Olvido, faze-me ser devorado pela Esfinge
Antes que ela se precipite no báratro das minhas sinapses! 
Dize-me quem sou, oh dor!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Because I love you so"

"Because I love you so"


I love you although 
My heart is hurt.
Oh how the arrows of Cupid
Are deliciously painful!
I love you of quantum love,
Of immense love and illusion,

Because love -
This astonishment of
Existence and width -
Does not satisfy, while
Love, to give itself in vain.
Love always has in its 
Quiver a myriad of wile.
It always wants more and 
More of everything.
Lovers, then,
We are, due to the charm
Of acceptance, but not

By laws of convention.
Here in solitude
Of my bedroom, 
I compose a song 
With verve and emotion,
Because I love you so.

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "To challenge who I think that I am "


"To challenge who I think that I am "



How many times I got away from me
To feel myself more and more and deep!
How many times I have opened doors and windows
So that illusions to my heart come and stay forever!
Oh how many times I just wanted to sleep!
The sleep of the afflicted and hopeless lovers!
Suddenly I am already amalgamated to you,
To this immense different love, love for sounds and signs.
Oh how the metaphors of being that I am shine!
Oh, Poetry, you have possessed me so much, why?
What are you looking for in my mind?
Oh I have even hurt words, trying to sing love!
Why do you search my soul, like a typhoon,
Devastating my silence and what does not want to be mine,
Everything that in your honor I want to sing,
Revealing me whole, point to point,
As if you wanted to confess me
That I can only live if I am composing you,
To challenge who I think that I am?
Why are you giving me a new wing?
What do you really need to find?
Tell me, please, where is the end of the aesthetic line?



Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Despite this"

"Despite this"


And on this site
Very normative
And restrictive,
Prohibitive
And very punitive,
That gives us 
Fear and fright,
Where only reign
Ambiguous rights,
Grain to grain,
Principles and myths
Of free will, and pain,

Despite this,
Love - 
I tell you
That have dreamed 
Of the fury of 
The abrupt passions -
Goes around
Indestructible
And smiling.

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "O dorso de Ζέφυρος"

"O dorso de Ζέφυρος"


Noite. Chove. Bach percorre os desvãos 
Do lar. São concertos para violinos.
Nada me importa agora. Nem o caos
Metafísico. Sequer os estragos 
Da solidão. Chove. Tem sido sempre 
Noite para o acaso das esperanças. 
Desde muito cedo. Quando a inocência 
Fazia festa em meu ser. São concertos 
Para violinos. Bach ronda as fronteiras, 
Os arredores dos alheamentos. 
Eis a Beleza. O ar mais atravessa 
O ar. Zéfiro chega. Tudo dói 
No instante intacto de haver a Beleza. 
Eis a grã Beleza. Zéfiro zarpa 
Sem pressa. Tento alcançar o seu dorso.
Para mim que importam a chuva e o cinza 
De tudo que se liquefaz em mim? 
Chove, e há a beleza contemplada. 
Chove. Bach me carrega nos braços. 
O som dos violinos mescla-se aos ecos 
Da chuva. Sim, preciso inaugurar 
Minha vida. Como ainda me caço?


Adriano Nunes