sábado, 27 de outubro de 2018

Adriano Nunes: "Não lamentes teu descaso"

"Não lamentes teu descaso"


Quando for o novo dia,
Não digas que não sabias,
Que nunca fora avisado
O teu ser, os teus e todos
Aqueles que muito amar
Falavas. Ah, quando for
O dia de grande horror,


Não lamentes teu descaso.
O horror não mata ao acaso.
Vinga a matar e não basta.
Ele não só mata o corpo.
Ele não só mata a alma.
Quando não puderes mais
Fugir, irás querer paz,

Quando não puderes mais
Gritar contra a vil censura,
Quando não tiveres mais
Força alguma contra o crime,
Quando nada te redime
Mais de ti, quando mais não
Puderes pedir perdão

A ti mesmo pelos erros,
Pela estúpida cegueira,
Que a vida esvai-se verás.
A de muitos, acredita!
Vê, talvez seja a primeira
Vez que entendes o amor
Por todos, o que findou.

Melhor: este amor à vida
Que existe em democracias.
Ah, quando for o tal dia,
E perceberes aflito
Que puseste, sim, em risco
As liberdades, com que
Verdades vais-te rever?

Ah, não puseste a perder
Tudo, devido ao poder
Que atrai humanas vontades,
Que detesta as diferenças,
Que com dor se regojiza?
Quando for o triste dia,
Que olhes pra trás, não basta!

Quando levarem teus amigos,
Quando estuprarem amigas,
Que não sabias, não digas.
Quando entrarem em teu lar,
Acusarem-te do que
Sequer há, que irás fazer?

Quando souberes que estão
Demitindo dos empregos
Colegas de profissão,
Por pensarem diferente,
Que falarás para os filhos
Destes? Que é a tua gente
Que outrora bem defendias?

Será que terás coragem
De admitir que tão covarde
Foste? De que agora vale
O arrependimento frio
Ante o horror enraizado
Em toda a esfera civil-
Mente lesa do Brasil?

Que dirás para ti mesmo
Quando até tiveres medo
De ti diante do espelho
Cruel da realidade?
Que restará de ti, tendo
De inexistir em ti, dentro?
Por que não mudas a tempo?

Adriano Nunes

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