domingo, 28 de abril de 2013

Adriano Nunes: "O fragmento mágico da existência" - Para a minha mãe

"O fragmento mágico da existência" - Para a minha mãe 


Logo após findar o técnico
De química industrial,
Dei todos os livros técnicos
A quem muito precisava.
Era a parte técnica da existência.
Seis anos de estudos médicos...
Sequer sei onde se encontram
Os livros de medicina 
Que tive. Apenas me lembro
De que presenteei amigos,
Alunos d'arte de Hipócrates.
Era a parte prática da existência.
Agora nada termino...
Agarram-se à Poesia
Os meus olhos de mendigo.
Todo o amor à Poesia,
Sobretudo. Sobre os báratros
Mais íntimos, mais sinceros.

Sobre a cama, nos armários
Do quarto, nas grãs estantes
Da sala e gavetas d'alma,
A intimidar o criado-
Mudo, a ser meu próprio ser,
Os livros de Poesia.
Enfim, percebi que algo
Nunca se desvencilharia
Desse sonho, da emoção...
Nem me assustaria meu coração.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

John Keats: "Hymn to Apollo"

"Hino a Apolo" (Tradução de Adriano Nunes)


Deus do dourado arco,
E da dourada lira,
E do dourado pelo,
E do dourado fogo,
Cocheiro
Do paciente ano,
Onde - onde dormira tua ira,
Quando feito pálido tolo eu pus tua sorte,
Teu louro, tua glória,
A luz da tua história,
Ou fui um verme - rastejando para a morte?
Ó Délfico Apolo!

O Trovejador capturara e capturara,
O Trovejador enrugara-se e enrugara-se;
A delicada plumagem da águia
Pela ira tornou-se rígida - o som
Do produtivo trovão
Fora torporoso então,
Desestruturando-se em murmurante tom.
Ó por que tiveste pena, e por um verme
Por que tocaste teu suave alaúde
Até o trovão ficar mudo?
Por que não me esmagaste - qual ínfimo germe?
Ó Délfico Apolo!

As Plêiades ascenderam,
Observando o ar silente;
Na Terra as raízes e as sementes
Pelo passar do verão túrgidas ficaram;
O Oceano, seu vizinho,
No velho labor, sozinho,
Quando, quem - quem ousara
Atar, tal louco, em sua fronte a flora,
E rir e ver orgulhosamente,
E blasfemar altissimamente,
E viver pra tal honra, pra a ti inclinar-se agora?
Ó Délfico Apolo!



John Keats: "Hymn to Apollo"



GOD of the golden bow,
And of the golden lyre,
And of the golden hair,
And of the golden fire,
Charioteer
Of the patient year,
Where---where slept thine ire,
When like a blank idiot I put on thy wreath,
Thy laurel, thy glory,
The light of thy story,
Or was I a worm---too low crawling for death?
O Delphic Apollo!

The Thunderer grasp'd and grasp'd,
The Thunderer frown'd and frown'd;
The eagle's feathery mane
For wrath became stiffen'd---the sound
Of breeding thunder
Went drowsily under,
Muttering to be unbound.
O why didst thou pity, and beg for a worm?
Why touch thy soft lute
Till the thunder was mute,
Why was I not crush'd---such a pitiful germ?
O Delphic Apollo!

The Pleiades were up,
Watching the silent air;
The seeds and roots in Earth
Were swelling for summer fare;
The Ocean, its neighbour,
Was at his old labour,
When, who---who did dare
To tie for a moment, thy plant round his brow,
And grin and look proudly,
And blaspheme so loudly,
And live for that honour, to stoop to thee now?
O Delphic Apollo! 




In: KEATS, John. "Complete poems and selected letters of John Keats". New York: The Modern Library, 2001, pages 290 e 291. Introduction by Edward Hirsch.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Jaime Gil de Biedma: "El juego de hacer versos"

"Jogo de fazer versos" (Tradução de Adriano Nunes)


Jogo de fazer versos
- que não é jogo - é algo
parecido em princípio
co' o prazer solitário.

Com a primeira muda
nos nostálgicos anos
de nossa adolescência,
a escrever começamos.

E são nossos poemas
de todo imaginários
- muito inexperientes
nem sequer plagiamos -

Pois toda a Poesia
é mesmo um anjo abstrato
e, como todos eles,
predisposto a agradar-nos.

A arte é outra coisa
distinta. O resultado
de muita vocação
e um pouco de trabalho.

Aprender a pensar
em traçados contados
- e não nos sentimentos
com que nos exaltávamos -,

manipular o idioma
como se fosse mágico
é um útil exercício,
que chega a embriagarmo-nos.

Logo está o instrumento
em seu ponto afinado:
a melhor poesia
é o Verbo feito tango.

Todos poemas são
um modo que adotamos
para que nos entendam
e que nos entendamos.

O que importa explicar
é a vida, os gestos da
sua filantropia,
as noites de seus sábados.

A maneira que tem
sobretudo no verão
de ser um paraíso.
Embora, por vezes,

se alguma dessas nuvens
que as carrega o diabo
tão só pensa na história
desses últimos anos,

se pensa nesta vida
que pedaços nos faz
de sórdida maneira,
perdida em um naufrágio.

A consciência o pesa
- por estar intentando
persuadir-se em segredo
de que ainda é honrado. O

Jogo de fazer versos,
que não é jogo, é algo
que acaba parecendo-se
co' o vício solitário.



Jaime Gil de Biedma: "El juego de hacer versos"



El juego de hacer versos
—que no es un juego— es algo
parecido en principio
al placer solitario.

Con la primera muda
en los años nostálgicos
de nuestra adolescencia,
a escribir empezamos.

Y son nuestros poemas
del todo imaginarios
—demasiado inexpertos
ni siquiera plagiamos—

porque la Poesía
es un ángel abstracto
y, como todos ellos,
predispuesto a halagarnos.

El arte es otra cosa
distinta. El resultado
de mucha vocación
y un poco de trabajo.

Aprender a pensar
en renglones contados
–y no en los sentimientos
con que nos exaltábamos–,

tratar con el idioma
como si fuera mágico
es un buen ejercicio,
que llega a emborracharnos.

Luego está el instrumento
en su punto afinado:
la mejor poesía
es el Verbo hecho tango.

Y los poemas son
un modo que adoptamos
para que nos entiendan
y que nos entendamos.

Lo que importa explicar
es la vida, los rasgos
de su filantropía,
las noches de sus sábados.

La manera que tiene
sobre todo en verano
de ser un paraíso.
Aunque, de cuando en cuando,

si alguna de esas nubes
que las carga el diablo
uno piensa en la historia
de estos últimos años,

si piensa en esta vida
que nos hace pedazos
de madera podrida,
perdida en un naufragio,

la conciencia le pesa
—por estar intentando
persuadirse en secreto
de que aún es honrado.

El juego de hacer versos,
que no es un juego, es algo
que acaba pareciéndose
al vicio solitario.




In: BIEDMA, Jaime Gil de. "Antología Personal". Madri: Visor Libros, páginas 50 e 51.

sábado, 13 de abril de 2013

William Butler Yeats: "After Long Silence"

"Após longo silêncio" (tradução de Adriano Nunes)


Conversa após longo silêncio; é certo,
Os amantes a estar mortos ou ausentes,
Pôs sob sombra de hostil foco luzente,
Sobre hostil noite o cortinado aberto,
Que nós cantávamos e recantávamos
Sobre o magno tema d'Arte e Canção:
Velhice é prudência; jovens então
Amávamo-nos e ignorantes éramos.



William Butler Yeats: "After Long Silence"



Speech after long silence; it is right,
All other lovers being estranged or dead,
Unfriendly lamplight hid under its shade,
The curtains drawn upon unfriendly night,
That we descant and yet again descant
Upon the supreme theme of Art and Song:
Bodily decrepitude is wisdom; young
We loved each other and were ignorant.




In: YEATS, William Butler. "The love poems". London: Kyle Cathie Limited, 1990, page 102. Edited with an introduction and notes by A. Norman Jeffares.

Seamus Heaney: "The Wishing Tree"

"A árvore dos desejos" (Tradução de Adriano Nunes)


Tomei-a árvore dos desejos que feneceu
E via-a erguer-se, raiz e ramo, ao céu,
Deixando um rastro de tudo que se fincara

Mais e mais por falta dentro do seu robusto
Xilema e córtex: moeda e pino e prego
Dela engendraram feito cauda de cometa

Recém-cunhada e dissolvida. Tive a ver
Atravessando úmidas nuvens, aéreo arbusto,
De faces em riste, onde a árvore estivera.



Seamus Heaney: "The Wishing Tree" 



I thought of her as the wishing tree that died
And saw it lifted, root and branch, to heaven,
Trailing a shower of all that had been driven

Need by need by need into its hale
Sap-wood and bark: coin and pin and nail
Came streaming from it like a comet-tail

New-minted and dissolved. I had a vision
Of an airy branch-head rising through damp cloud,
Of turned-up faces where the tree had stood.




In: HEANEY, Seamus. "Collected Poems". Faber and Faber, 2009.

domingo, 7 de abril de 2013

Gabriela Mistral: "Balada"

"Balada" (Tradução de Adriano Nunes)


"Balada"



Ele passou c' outra;
eu o vi passar.

Sempre doce o vento
e o caminho em paz.

E estes olhos míseros
viram-no passar!

Ele amando a outra
vai por terra em flor.

Abrira-se o espinho;
passa uma canção.

E ele amando a outra
vai por terra em flor!

Ele beijou a outra
à beira do mar.
resvalou nas ondas
a lua rutácea.

Nem untou meu sangue
a extensão do mar!

Ele irá com outra
pela eternidade.

Haverá céus doces.

(Deus queira calar.)

E ele irá com outra
pela eternidade!



Gabriela Mistral: "Balada"



"Balada"



Él pasó con otra;
yo le vi pasar.

Siempre dulce el viento
y el camino en paz.

¡Y estos ojos míseros
le vieron pasar!

Él va amando a otra
por la tierra en flor.

Ha abierto el espino;
pasa una canción.

¡Y él va amando a otra
por la tierra en flor!

El besó a la otra
a orillas del mar;
resbaló en las olas
la luna de azahar.

¡Y no untó mi sangre
la extensión del mar!

El irá con otra
por la eternidad.

Habrá cielos dulces.

(Dios quiera callar.)

¡Y él irá con otra
por la eternidad!





MISTRAL, Gabriela. "Poesías Completas". Santiago de Chile: Andres Bello, 2001.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Jaime Gil de Biedma: "Resolución"

"Resolução" (Tradução de Adriano Nunes)

Resolução

Resolução de ser feliz
sobre todas as coisas, contra todos
e contra mim, de novo
- sobre todas as coisas, ser feliz -
volto a tomar essa resolução.

Porém mais que o propósito da emenda
perdura a dor do coração.



Jaime Gil de Biedma: "Resolución"



Resolución

Resolución de ser feliz
por encima de todo, contra todos
y contra mí, de nuevo
— por encima de todo, ser feliz –
vuelvo a tomar esa resolución.

Pero más que el propósito de enmienda
dura el dolor del corazón.




In: BIEDMA, Jaime Gil de. "Poemas Póstumos". "Antología Personal". Madri: Visor Libros, página 42.

Miguel Hernández: "59" (de "Cancionero y romancero de ausencias")

" 59 " (tradução de Adriano Nunes)


59
( de "Cancionero y romancero de ausencias")



Tristes guerras
se não é amor a empresa.
Tristes. Tristes.
Tristes armas
se não são as palavras.
Tristes. Tristes.
Tristes homens
se não morrem de amores.
Tristes. Tristes.



Miguel Hernández: "59"



59
(de "Cancionero y romancero de ausencias")



Tristes guerras
si no es amor la empresa.
Tristes. Tristes.
Tristes armas
si no son las palabras.
Tristes. Tristes.
Tristes hombres
si no mueren de amores.
Tristes. Tristes. 




In: HERNÁNDEZ, Miguel. "Cancionero y romancero de ausencias". "Obra Completa". Madrid: Espasa Libros, 2010.

Miguel Hernández: "25" ( de "Cancionero y romancero de ausencias")

" 25 " (Tradução de Adriano Nunes)
25
(de "Cancionero y romancero de ausencias")



Chegou com três feridas:
a do amor,
a da morte,
a da vida.
Com três feridas vem:
a da vida,
a do amor,
a da morte.
Com três feridas eu:
a da vida,
a da morte,
a do amor.



Miguel Hernández: "25"

25
( de "Cancionero y romancero de ausencias")



Llegó con tres heridas:
la del amor,
la de la muerte,
la de la vida.
Con tres heridas viene:
la de la vida,
la del amor,
la de la muerte.
Con tres heridas yo:
la de la vida,
la de la muerte,
la del amor. 




In: HERNÁNDEZ, Miguel. "Cancionero y romancero de ausencias". "Obra Completa". Madrid: Espasa Libros, 2010.

Miguel Hernández: "Canción última"

"Canção última" (Tradução de Adriano Nunes)


Pintada, não vazia:
pintada a minha casa
está co' a cor das grandes
paixões e grãs desgraças.

Regressará do pranto
par' onde foi levada
com sua mesa erma,
com a ruidosa cama.

Florescerão os beijos
por sobre as almofadas
e recobrindo os corpos
o lençol erguerá
sua enérgica renda
noturna, perfumada.

O ódio se amortece
por detrás da janela.

Será a garra suave.

A esperança deixai-me.



Miguel Hernández: "Canción última"



"Canción última"



Pintada, no vacía:
pintada está mi casa
del color de las grandes
pasiones y desgracias.

Regresará del llanto
adonde fue llevada
con su desierta mesa,
con su ruinosa cama.

Florecerán los besos
sobre las almohadas.
Y en torno de los cuerpos
elevará la sábana
su intensa enredadera
nocturna, perfumada.

El odio se amortigua
detrás de la ventana.

Será la garra suave.

Dejadme la esperanza.





In: HERNÁNDEZ, Miguel. "Obra Completa". Madrid: Espasa Libros, 2010.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Miguel Hernández: "Después del amor"

"Depois do amor" (Tradução de Adriano Nunes)


Não podemos ser. A terra
não pôde tanto. Não somos
quanto se propôs o sol 
em um anseio remoto.
Um pé se achega ao visível.
No escuro finca-se o outro.
Porque o amor não é perpétuo
em ninguém, em mim tampouco.
O ódio aguarda seu instante
dentro do carvão mais fundo.
Rubro é o ódio e nutrido.

O amor, pálido e sozinho.

Cansado de odiar, te amo.
Cansado de amar, te odeio.

Chove tempo. Chove tempo.
E um dia triste entre todos,
triste pela terra toda,
triste de mim até o lobo,
dormimos e despertamos
com um tigre entre os olhos.

Pedras, homens como pedras,
duros e plenos de ódio,
colidem-se no ar, onde
colidem-se as pedras, súbitas.

Solidões que hoje rejeitam
e ontem juntavam seus rostos.
Solidões que num só beijo
guardam o rugido surdo.
Solidões pra todo o sempre.
Solidões sem um apoio.

Corpos como um mar voraz,
entrechocado, furioso.

Solitariamente atados
pelo amor e pelo ódio.
Pelas veias surgem homens,
cruzam as cidades, torvos.

No coração enraíza-se 
solitariamente tudo.
Rastros sem companhia ficam
como na água, no fundo.

Apenas uma voz, longe,
sempre longe longe a ouço,
acompanha e faz seguir
tal qual o pescoço aos ombros.

Só uma voz me arrebata
este esqueleto espinhoso
de pelo retrocedido
e eriçado que possuo.

Os seus ventos não podem
secar os mares carnosos
e o coração permanece
fresco em seu grilhão de agosto
porque essa voz é a arma
mais tenra de seus arroios:

"Miguel: acordo contigo
depois do sol e do pó,
antes da símile lua,
tumba de um sonho amoroso".

Amor: afasta meu ser
de seus primeiros escombros,
e edificando-me, dita
uma verdade como um sopro.

Depois do amor, toda a terra.
Depois da terra, só tudo.



Miguel Hernández: "Después del amor"



No pudimos ser. La tierra 
no pudo tanto. No somos 
cuanto se propuso el sol 
en un anhelo remoto. 
Un pie se acerca a lo claro. 
En lo oscuro insiste el otro. 
Porque el amor no es perpetuo 
en nadie, ni en mí tampoco. 
El odio aguarda su instante 
dentro del carbón más hondo. 
Rojo es el odio y nutrido. 

El amor, pálido y solo. 

Cansado de odiar, te amo. 
Cansado de amar, te odio.

Llueve tiempo, llueve tiempo. 
Y un día triste entre todos, 
triste por toda la tierra, 
triste desde mí hasta el lobo, 
dormimos y despertamos 
con un tigre entre los ojos.

Piedras, hombres como piedras, 
duros y plenos de encono, 
chocan en el aire, donde 
chocan las piedras de pronto.

Soledades que hoy rechazan 
y ayer juntaban sus rostros. 
Soledades que en el beso 
guardan el rugido sordo. 
Soledades para siempre. 
Soledades sin apoyo.

Cuerpos como un mar voraz, 
entrechocado, furioso.

Solitariamente atados 
por el amor, por el odio.
Por las venas surgen hombres, 
cruzan las ciudades, torvos.

En el corazón arraiga 
solitariamente todo. 
Huellas sin compaña quedan 
como en el agua, en el fondo.

Sólo una voz, a lo lejos, 
siempre a lo lejos la oigo, 
acompaña y hace ir 
igual que el cuello a los hombros.

Sólo una voz me arrebata 
este armazón espinoso 
de vello retrocedido 
y erizado que me pongo.

Los secos vientos no pueden 
secar los mares jugosos. 
Y el corazón permanece 
fresco en su cárcel de agosto 
porque esa voz es el arma 
más tierna de los arroyos:

«Miguel: me acuerdo de ti 
después del sol y del polvo, 
antes de la misma luna, 
tumba de un sueño amoroso».

Amor: aleja mi ser 
de sus primeros escombros, 
y edificándome, dicta 
una verdad como un soplo. 

Después del amor, la tierra. 
Después de la tierra, todo.




In: HERNÁNDEZ, Miguel. "Obra Completa". Madrid: Espasa Libros, 2010.