segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Adriano Nunes: "ars poetica"

"ars poetica"


preciso entregar o meu coração
ao primeiro poema
que bater à minha porta,
trazendo flores ou quimeras à mão.
preciso estar disposto para
escapar às intempéries vastas
do sim e do não.
com que pretensão construir-desconstruir
as coisas que só são?
com que ambição dar sentidos
a voz angustiada da imaginação, de vez?
sê este objeto destituído de conceito!
sê este objeto que se reconhece leve e
livre de fórmulas e regras!
sê esse assombro sináptico, este sopro
de portentos surpreendentes!
sim, primo poema, vem, vem logo,
sem quaisquer propósitos!
vem como és, em si e para si,
como se fosses mesmo o silêncio
que se esconde em cada átimo ignoto.
leva tudo que sou, urgentemente.
leva a carne, os ossos, a pele, o olhar, a mente.
sê apenas o que és, este mistério
travestido de sombras e metáforas.
talvez, assim, levando-me, de mim tragas
a palavra, a rima, o ritmo, o metro, o sonho estético.
para ver se também posso ofertar-te,
quem sabe, a beleza da não-verdade.
ou a verdade de si
mesmo: a finalidade sem fim
que engendra tudo e arde.

Adriano Nunes

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