terça-feira, 18 de abril de 2017

Adriano Nunes: entrevistando Péricles Cavalcanti

Adriano Nunes: Entrevistando Péricles Cavalcanti



Adriano Nunes:    Como você se descobriu músico, isto é, como se deu a consciência reflexiva sobre fazer canções e cantá-las?

Péricles Cavalcanti: Só tive consciência de que podia fazer canções interessantes (ou compor música ou letra, boas) quando comecei, no início dos anos 70, movido por uma paixão arrebatadora, a dizer coisas com música que, imediatamente, chamaram a atenção de alguns dos meus amigos mais próximos que, por uma feliz coincidência, eram Caetano, Gil e Gal.

Adriano Nunes:    Quais influências musicais e artísticas foram/são imprescindíveis ao seu instante criativo?

Péricles Cavalcanti:  Como quase todo mundo de minha geração, fui criado num ambiente muito musical, primeiro pela força do rádio (anos 50) e também do disco, notadamente com a presença de vitrolas e LPs. Depois com a própria TV, no início dos anos 60. Lá em casa tinha violão, piano, cavaquinho e flauta, que meu pai (que tinha noções de teoria musical) tocava um pouco. Assim, às vezes, fazíamos pequenos  conjuntos em que eu e ele tocávamos algumas valsinhas bem simples e antigas (“Sobre as ondas” por exemplo) e minha mãe e minha irmã cantavam. No entanto, cresci ouvindo tudo -de Ray Conniff  a  Cely Campelo, passando por Ray Charles, entre muitos outros - e, como muitos, na adolescência, me apaixonei por João Gilberto e a bossa nova, ouvia também um pouco de Jazz, depois Beatles e, depois ainda, Caetano, Bethânia, Gal e Gil. Mas continuo gostando de ouvir tudo, embora nesses tempos de hiper-informação caótica da Internet (e, também, de muita irrelevância!) dizer “tudo” é quase o mesmo que dizer “um pouquinho”. E ainda gosto de ser tocado pelo que ouço. Bem, para alguém que, como eu, tem uma personalidade um pouco melancólica, música é um transporte que leva a lugares e paisagens mais do que ideais.

Adriano Nunes: Muitas de suas canções têm temas relacionados com a Filosofia e filósofos. Quais filósofos são/foram impactantes na sua formação/construção como artista?

Péricles Cavalcanti:  Quando comecei a ler mais, logo me interessei por um tipo de literatura mais filosófica e por uma filosofia mais literária. Claro que quando conheci um pouco mais os gregos, no curso clássico  (e aqui me lembro das aulas sensacionais de filosofia da professora Marilena Chauí, muito jovem e bonita) fiquei logo entusiasmado, a ponto de ter decidido fazer faculdade de Filosofia e de ter pensado, até, em me tornar um professor. Acho, de todo modo, que isso teria influência em qualquer coisa que eu fizesse como profissão, depois, mas acabou, de uma certa maneira, acontecendo, meio que sem planejar, no meu trabalho com música.

Adriano Nunes:    Você morou em Londres no mesmo período em que Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam exilados, e o Antonio Cicero estudando filosofia na capital inglesa . Você já os conhecia pessoalmente antes do exílio? Como foi esse período lá? Que fatos marcam a memória? Qual a importância dessa estada para a sua formação/consolidação artística?

Péricles Cavalcanti:  Caetano e Gil (e Gal, também) eu conheci ainda na casa de meus pais, levados por um primo, o psicanalista Luis Tenório Lima, que era amigo deles na Bahia. Eu era ainda adolescente e eles estavam chegando para trabalhar em São Paulo e no Rio. Me apaixonei imediatamente por eles, aprendi muito com as primeiras canções dos dois e, especialmente, com o violão de Gil que ficou uns dias, recém-casado com Belina, hospedado em nossa casa. Depois daí, ficamos amigos para sempre.
No período em que estive, primeiro em Paris e depois em Londres, onde Caetano, Dedé, Gil, Sandra e Guilherme Araujo, já moravam, eu não tinha planos definidos e me identificava mais com uma coisa bem geral e um pouco vaga, de ser um hippie. De todo modo, a proximidade com a música pop (shows e festivais) que se fazia  na “Swinging London”, na época, influenciou bastante a música que eles passaram a fazer lá e aqui e, também, a música que eu viria (mas não tinha ainda a menor ideia de que iria!) fazer depois. Um bom exemplo disso foi ter contato com o reggae quando ainda era uma música de gueto no bairro de Notting Hill Gate e pelo qual eu e Caetano ficamos, imediatamente, entusiasmados.
Já Antonio Cicero só conheci em Londres, onde ele morava e estudava filosofia. Gostei logo dele (da mesma forma que todo mundo, lá) e foi assim como conhecer um filósofo de verdade (lembro que ele estudava alguma coisa ligada à lógica matemática, matéria em que eu tinha muita dificuldade nos dois anos e pouco em que frequentei a faculdade) Mas, enfim, perto dele eu era apenas um amador. E ainda sou!.

Adriano Nunes:    Como se deu a parceria com Caetano para a  composição/transcriação de “Negro Amor”?

Péricles Cavalcanti: Isso foi no Rio, em 1975 ou 76, e foi ideia de Caetano me chamar pra fazer essa versão de “It’s all over now, Babe Blue”, para um show de Maria Bethânia que ele iria dirigir (não me lembro qual!). Fizemos meio que rapidamente, tentando estar o mais próximo possível da bela canção de Dylan. Só nos detivemos na tradução para a expressão “Babe blue” e, num outro dia, foi Rogério Duarte, quem veio com a solução perfeita: “Negro amor”.  Acabou que Bethânia não se interessou muito e foi Gal quem a lançou.

Adriano Nunes:    Bob Dylan é uma de suas referências musicais, certamente. Quando da conquista dele do Nobel de Literatura, como você viu e compreendeu tal momento?

Péricles Cavalcanti: Pois é, nos meses em que estive em Paris (no final de 1969) eu costumava, pra ganhar um dinheirinho, tocar com um violão e uma gatinha de boca (no estilo que consagrou o começo de carreira de Dylan), em estações do metrô e até na calçadas de bares (aí com uma amiga francesa) algumas canções como “Mr. Tambourine man”,  e outras de Luiz Gonzaga, como “Asa Branca”. Isso pra dizer que fiquei muito contente com o Nobel para ele. Além do mais, foi como se a geração que foi adolescente e começou a fazer música nos 60 e 70 fosse toda premiada através dele, no sentido de que para nós, como para ele, as distâncias entre a chamada “Alta cultura” (mais erudita) e a chamada “Baixa cultura” (de origem popular e oral), foram bastante diminuídas e confundidas em trabalhos que, desde então, as transcendem.

Adriano Nunes:    Assim como eu, sei que você é um leitor apaixonado por Montaigne. Qual a sua relação com o pensador francês?

Péricles Cavalcanti: Só comecei a ler Montaigne mais recentemente, neste começo de século XXI, novamente graças à indicação do mesmo primo psicanalista de que falei. E, como muita gente, fiquei  impressionado com sua profundidade e atualidade. Na verdade, ele, como escritor, se encaixa perfeitamente (talvez o mais perfeito, como certa vez Orson Welles disse dele!) naquela minha  predileção por Literatura filosófica e Filosofia literária, de que já falei. E, mais ainda, fiquei também impressionado com o fato de que eu nunca o tivesse lido antes e que, nos tempos de faculdade, nunca tivesse ouvido nenhum professor ou colega  falar de Montaigne!

Adriano Nunes:    Você tem grandes parceiros musicais, como a Adriana Calcanhotto e o Arnaldo Antunes. Como se deram essas parcerias? Qual a importância delas em sua vida de artista? Vocês ainda continuam compondo juntos? Têm planos para novas canções?

Péricles Cavalcanti: Adriana é mais uma parceira-inspiradora (que já me encomendou algumas das canções), que me foi apresentada pela nossa querida Susana Moraes, e com quem tenho muitas afinidades de gosto musical e poético.
Já Arnaldo, que conheço desde que ele era ainda quase um adolescente (antes da fase Titãs, portanto)  tornou-se parceiro e um grande amigo, especialmente a partir do início dos anos 90. Temos feito algumas coisas juntos, proposta por mim ou por ele meio ao sabor do acaso (sem muito planejamento) nos nossos constantes encontros (além de tudo, somos vizinhos há mais de 20 anos!)

Adriano Nunes:    Parece, ao que você relatou algumas vezes, que “Eva e eu”, composição sua e de Arnaldo, marcou-o bastante. Por quê?

Péricles Cavalcanti:     “Eva e eu”, que é uma de minhas parcerias com Arnaldo de que eu e ele mais gostamos, foi um caso muito especial de sincronicidade. Fiz a música, antes, pensando numa matéria que vi na TV sobre um casal de índios isolados encontrados na Amazônia que sequer falava uma língua conhecida. Bem, quando dei a Arnaldo, um poeta-letrista sensacional, para colocar letra ele, sem que eu tivesse dito ou indicado nenhum tema, me veio com essas palavras que não poderiam ser mais adequadas para o que eu havia sentido e pensado.

Adriano Nunes:                   Como se dá a composição quando ela é feita a várias mãos? Você musica primeiro? Ou faz a música quando a letra lhe é passada por um dos parceiros? Que método de composição você prefere e por que o prefere?

Péricles Cavalcanti:       Não sou bom para escrever letras sem música (em geral, minhas tentativas resultam bem fracas!). Prefiro fazer, sempre, numa canção, letra e música, juntas, uma informando a construção da outra ou realizando a ideia (ou a motivação) inicial da canção. Mas gosto de fazer só a música também, como no caso de “Eva e eu”, ou mesmo como um instrumental  (talvez aqui entre um pouco do meu gosto pela Jazz instrumental). Tenho poucos parceiros na composição e são poucos os casos em que trabalhei a quatro mãos. Tenho alguma dificuldade com isso e, também, uma predileção por fazer canções (ou músicas) inteiras e por compositores que assim o fazem.

Adriano Nunes:                 Fale como foi a produção e conclusão do trabalho “Mulheres de Péricles”.  O que você pode expressar ante tal homenagem?

Péricles Cavalcanti:       Não participei da produção desse disco, Como era o homenageado, fui proibido pelo DJ Zé Pedro, mentor do disco, e por Nina Cavalcanti, minha filha, curadora do projeto, de escutá-lo antes de ficar pronto. Ainda bem, porque foi uma das melhores surpresas que tive com minhas composições e o fato de não ter participado do processo de produção do disco me deu isenção e tranquilidade para desfrutá-lo. Acho que as cantoras que participaram e que produziram independentemente, umas das outras, suas faixas, trouxeram minhas canções para patamares musicais originais e, no caso de algumas delas, a níveis adequados de expressão, que ainda não tinham sido alcançados. Enfim, eu adorei!

Adriano Nunes:                   Você foi é muito requisitado para fazer trilhas para filmes e peças de teatro? Como se deu esse tipo de trabalho? Quais foram as obras mais marcantes?

Péricles Cavalcanti:      Não fiz, ainda, muitas trilhas para filmes ou peças de teatro, mas tem algumas que foram muito significativas e importantes pra mim nesses anos todos em que tenho trabalhado com música. Fiz a trilha para o único filme de longa-metragem de minha querida amiga Susana Moraes, “Mil e Uma” que resultou no disco homônimo que é um dos que mais gosto e  me orgulho, entre os que já fiz.  Também gosto muito da trilha que fiz para o curta-metragem, “Quem é Bardi”, do meu dileto amigo José Roberto Aguilar. E para o Teatro, fiz a trilha e depois a direção musical da montagem do “Ham-let”, com a direção maravilhosa de Zé Celso Martines Correia, no Teatro Oficina. E, bem, antes, convidado por Regina Casé, fiz canções para “A Farra da terra”, primeiro musical do grupo carioca “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, dirigido por Hamilton Vaz Pereira.

Adriano Nunes:                 Conte-nos algo sobre a sua experiência com o “Asdrúbal trouxe o Trombone”

Péricles Cavalcanti:       Esse foi um outro trabalho de que me lembro com muita alegria, porque, ainda era o início dos anos 80 e fiz canções inspiradas em  ideias gerais ou mesmo títulos de cenas (que ainda não estavam escritas) de Hamilton ou, mesmo, sobre textos que ele escreveu, que estão entre as melhores que já fiz, se pensarmos naquele tipo de canção completa (letra e música como um corpo só), de que gosto mais de fazer e apreciar.

Adriano Nunes:                   Também é sabido que uma de suas admirações é a Cássia Eller. Como começou a sua amizade com essa grande cantora? Como se deu a construção da música “Eu queria ser a Cássia Eller”

Péricles Cavalcanti:      Até 1997, eu só conhecia a Cássia de vista. Foi depois de um show dela, no Rio, cantando Cazuza, dirigido por Waly Salomão que, no camarim, lhe fiz um elogio (porque ela, realmente ,era maravilhosa). Disse: se eu fosse um outro artista, queria ser você. E continuei, meio brincando: acho que vou fazer uma canção “Eu queria ser Cássia Eller”. Waly, que não estava presente mas soube disso, por Lan Lan, me telefonou e insistiu para que eu fizesse essa canção, para um próximo disco de Cássia que ele ia produzir. Então, essa minha brincadeira elogiosa acabou mesmo virando uma canção que ela, com  razão, ficou muito constrangida para gravar, mas que a deixou feliz quando eu gravei. De todo modo, fico contente que esses eventos tenham aproximado a mim, Lídia e nossos filhos de Cássia, e de toda força e beleza, verdadeiras, que ela tinha.

Adriano Nunes:                   Você também tem muita ligação com os poetas e a poesia. Musicou um poema de John Donne traduzido por Augusto de Campos que virou sucesso na voz de Caetano Veloso, a belíssima “Elegia”. Que poetas você admira, lê com freqüência?

Péricles Cavalcanti: Eu não conheço tanto poesia escrita (fora aqueles obrigatórios que eram citados na escola) como as pessoas, em geral, supõem. Muito do que conheço vem de indicações, de livros que ganho de amigos e poetas, como você Adriano ou como o Augusto de Campos que, além de sua própria bela poesia, me apresentou e ainda apresenta a poemas e poetas. Foi assim que surgiu, por exemplo, “Elegia”, depois que ele me mostrou a sua belíssima tradução de “Elegy, to his mistress going to bed” de John Donne.

Adriano Nunes:                 “O canto das Musas” é um reflexo dessas leituras poéticas? Fale um pouco sobre essa obra e seu desdobramento enquanto trabalho coletivo.

Péricles Cavalcanti:        Depois que eu e Zélia Cavalcanti, minha irmã, pensamos em fazer um livro sobre poesia clássica em português, que fosse, também, um disco pop de poemas musicados e cantados, as autoras da parte escrita do livro, Aline Evangelista Martins e Cibele Lopresti Costa, selecionaram alguns poemas, tanto de poetas brasileiros como portugueses para que eu experimentasse como canção. O curioso é que a maioria deles eu não conhecia e, mais, nem todos me soaram como possíveis canções interessantes.  De todo modo, a segunda parte do meu trabalho, a produção do disco, depois de escolhidos os poemas, fluiu mais rapidamente e trouxe ainda mais surpresas interessantes, na medida em que fui pensando nos intérpretes (muitos entre os novos da cena musical paulistana: Tulipa Ruiz,  Leo Cavalcanti, Juliana Kehl, Tatá Aeroplano, Arícia Mess, Péri) e músicos instrumentistas (Guilherme Held, Marcelo Monteiro, Décio 7, Atílio Marsiglia) pra cada faixa. Algumas faixas me agradam bastante, tanto pelo uso do poema como pela interpretação e arranjo. O disco foi gravado em julho de 2010 e o disco-livro só foi lançado em 2012, pela Companhia das Letras, que teve alguma dificuldade para classificar esse objeto híbrido e um pouco estranho, a ponto de, no início, oferecer às livrarias como um “livro para crianças”.

Adriano Nunes:                   Quais são seus novos projetos musicais? De “Canções”, de 1991, para “Frevox”, de 2013, como você poderia sintetizar essa trajetória musical?

Péricles Cavalcanti: Acho que dá pra dividir em dois períodos bem distintos a história das gravações de meus discos. Até o final dos anos 90, portanto ainda na época em que as gravações analógicas, os grandes estúdios ainda predominavam e a era do disco ainda estava no apogeu (mesmo com a introdução dos CDs), meu discos surgiam a partir de um conjunto de composições que eu tinha (inéditas ou não), entre as quais eu escolhia algumas para fazer parte de um disco que eu iria gravar (em geral com apoio de gravadoras ou selos distribuídos por elas).  A partir do início dos anos 2000, e com as possibilidades das gravações digitais em porta-estúdios, como muitos outros, comecei a fazer gravações (pelo menos as bases instrumentais e vocais) no meu próprio estudiozinho, o que me deu uma outra perspectiva (o tempo para experimentar, arranjar e gravar, por exemplo), então os discos passaram a fazer parte do momento final desse processo. A única exceção foi o disco da trilha de “Mil e Uma”, que foi gravado em 1993, num sistema misto (analógico e digital) no ótimo, avançado para a época, estúdio de meu amigo Cid Campos e que, como eu já disse, está entre os meus preferidos. Ultimamente tenho gostado de gravar, como fiz com os dois singles que lancei recentemente, no também ótimo e bem equipado estúdio de outro amigo, Pipo Pegoraro, que tem sido, também, meu produtor musical. Então meus discos tem saído a partir do que tenho gravado se bem que, ultimamente, tenho pensado em fazer um disco ao vivo, também (o que nunca fiz). Mas, como nessa época em que vivemos, as possibilidades são muitas  e as oportunidades mudam constantemente, os meus hábitos e planos fonográficos podem mudar, também.

Adriano Nunes:                   Praticamente, em quase todos os discos de Adriana Calcanhotto, há canções suas. Há uma identificação artística entre você dois. Como se deu esse liame? Quem é Adriana Calcanhotto para Péricles Cavalcanti?

Péricles Cavalcanti:       Como já disse, Adriana, é mais que a intérprete que mais tem gravado minhas canções. Ela tem sido uma parceira motivadora, com quem tenho muitas afinidades. Por exemplo, quando ela me pediu uma canção para o seu disco “Maré”, que tivesse a ver com esse tema, fiz “Príncipe das Marés”, que tem muito de um “épico” sobre o surf e, logo depois, outra, “Porto alegre (nos braços de Calipso)”, a partir de um trecho das peripécias de Ulisses com a deusa Calipso, na Odisseia. Mandei as duas pra ela que, a princípio, pensou gravar a primeira (que depois eu gravei), mas que terminou por gravar a segunda. Isso pra dizer que nosso diálogo como amigos e parceiros de trabalho tem sido, sempre, muito rico. E também, tudo isso, começou de uma maneira muito amorosa porque, como eu já disse, foi Susana Moraes quem nos apresentou e aproximou.

Adriano Nunes:                O que é cantar, compor para você? A cena musical atual está bastante complexa e múltipla. Que há de esteticamente belo na nova música produzida no Brasil?

Péricles Cavalcanti: Eu comecei trabalhando, meio que sem planejar, como compositor e foi assim que comecei a ganhar algum dinheiro com música. E era o que eu gostava mais de fazer. Depois, graças à iniciativa de Susana Moraes (de novo, ela!) gravei meu primeiro disco, “Canções”, cantando e arranjando e passei a gostar muito disso, também. Bem, mas o mundo (com suas demandas) vai mudando e a gente também e, de uns tempos pra cá, gosto cada vez mais de cantar e fazer shows, até mais do que gravar. Mas acho que sou, pelo meu tipo de personalidade e formação, fundamentalmente, um compositor.
Há, como sempre houve, muita coisa sendo produzida no Brasil com muita competência, nos diversos gêneros (ou “nichos”).  E agora, há cada vez mais ótimos instrumentistas, cantores e produtores musicais. São inegáveis as qualidades das produções de samba, sertanejo, Axé, música do Pará, Funk, a chamada nova MPB e, mais os híbridos entre todos esses estilos.
Pra não ficar sem destacar nada. Entre muitas coisas, amo os sambas, melódica e harmonicamente sofisticados de Arlindo Cruz e, num outro extremo, esse Funk do MC15, “Deu onda” (na sua versão sem censura, é claro, com o refrão original!) que combina inspiração poética crua e coloquial, com uma programação eletrônica básica, inspirada e eficiente (e há a questão, provavelmente não planejada, que foi notada por muitos músicos, da mistura, do tom maior da melodia com o tom menor da harmonia, em certo momento), mais um vocal com um timbre bonito e, ao mesmo tempo, confessional (um pouco tristinho!)  e sensual.

Adriano Nunes:                   A cultura de massa o atrai. você elogiou, assim como Caetano Veloso, Anitta, por exemplo. Também é muito fã de Zeca pagodinho, de Fernanda Abreu, da funk carioca, de Chico Science, entre outros estilos. Seria isso uma tradução da sua simplicidade e de sua generosidade, uma abertura para o novo?

Péricles Cavalcanti:      Sim, como já disse, gosto de ser de algum modo tocado por coisas feitas por novas gerações e isso, em termos mais gerais, com relação a outras manifestações artísticas e culturais. Quanto à música popular, desde a invenção do disco e, logo depois, do rádio, ela sempre mostrou essa vocação para atingir a chamada “massa”, de ser “pop”. Já li que um dos primeiros sucessos da grande “bluseira” Bessie Smith (em 78 rpm), nos anos 20, vendeu 800.000 cópias e olha que o mercado da música negra era separado do “mainstream” branco. E, além do mais, eu não acredito que alguém componha uma canção e grave um disco para que ninguém ouça ou goste ou repita. Isso seria um total contrassenso. Acho que isso não acontece nem com os trabalhos mais experimentais e “difíceis”.

Adriano Nunes:                 Você costuma tecer comentários no Facebook sobre questões artísticas e políticas. Como você vê, compreende a política nacional para Péricles?

Péricles Cavalcanti: Como todo mundo tem acompanhando, vivemos um momento dificílimo, de instabilidade política-institucional, mas é possível que (embora eu, confesso, tenha muitas dificuldades em pensar e entender a complexidade da política contemporânea!) depois desse tsunami de revelações tenebrosas de como nossa política tem “funcionado”, nossa ainda relativamente jovem democracia possa sair fortalecida. E se a gente se lembra como, desde de seus inícios na Grécia antiga (em Atenas particularmente), a democracia alternou momentos de paz e legalidade, com líderes e legisladores sábios, com outros períodos de grandes perturbações sociais, consequência da tomada do poder por tiranetes e demagogos (em geral corruptos!), a gente pode pensar que, talvez, a democracia, como o regime político mais aberto, estará sempre sujeito a instabilidades e, sempre, necessitará de aperfeiçoamentos. Torço para que esse seja o nosso caso!

Adriano Nunes:  Recentemente, Caetano teceu alguns comentários lúcidos sobre a problemática das drogas, qual o seu posicionamento ante a questão das drogas?

Péricles Cavalcanti: Li e gostei muito das considerações de Caetano sobre a questão!   Quanto a mim, posso lhe dizer que, na juventude, já experimentei algumas drogas ilícitas, tipo LCD e maconha  (quanto às lícitas, nunca fui adepto às bebidas alcoólicas!) mas poucas vezes e em muito pequenas quantidades, porque eu tinha medo e, porque, sempre preferi e tive mais prazer com meus “estados sóbrios de consciência”. E nunca  me senti, propriamente, mal, nessas experiências com drogas. Mas, ao mesmo tempo, já vi muitas pessoas pirarem gravemente (alguns a ponto de serem internados em hospitais!) por causa de uso de drogas alucinógenas, mas mesmo de terem o que era chamado uma “bad trip” apenas com algumas tragadas num cigarro de maconha (exatamente como Caetano se refere na sua fala sobre o assunto!). Essa é um outra questão contemporânea muito complexa e difícil para se encaminhar soluções mas, de todo modo, simpatizo com uma liberação inicial da maconha (como tem acontecido em muitos países), desde que se tenha em mente, nas campanhas educativas, que há pessoas que podem e outras (por características psicológicas próprias !) que não deveriam fumar, por colocar em risco sua saúde. E isso me parece óbvio!




Obrigado, estimado amigo!
Adriano Nunes 

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