quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Adriano Nunes: "Por Que Zé Matou Maria?"

"Por que Zé matou Maria?"







Chegada a hora, tudo deveria ser rápido e total. Aquela cadela vai me pagar! Porra, logo eu que a amava tanto! Bem que me avisaram. Bem que eu devia ter seguido os conselhos de Dona Santinha. Olha compadre, esse tipo de mulher eu conheço tanto quanto as rugas que tenho. Basta um arzinho de capricho, e você verá os desejos dela tomarem corpo e alma. Basta um galanteio e um assovio para que as carnes tremam, e a libido cresça feito capim. Não, comadre. A Senhora está enganada. Maria não fará nunca uma coisa dessa. Puta que pariu! E logo com o João! Logo com o meu amigo João! Dez em ponto. Peixeira na cintura. Taquicardia de quem está com medo ou vai arrepender-se logo. Um Pai-Nosso. Bandido também reza e faz toda encenação de alma boa. Droga! Oi, Zé! Por que não vem deitar, homem? Parece que viu um fantasma! Calma...

O dia amanheceu vermelho. Ei Zé, que pressa é essa? Hoje é dia de sinuca, viu. Vamos estar todos lá, no bar do Seu Serafim. João disse que vai apostar contigo duzentos contos. A vida tem dessas ciladas. Zé e João continuarão amigos. Ninguém soube do paradeiro de Maria. Dizem as más línguas que ela fugiu com Toninho para perto do mar. Dona Lila acha que ela foi embora, lá para a capital. Zé demonstra uma tristeza de abandono. Ninguém é feliz completamente. João ainda suspira quando se lembra das noites em que ele e Maria trepavam como bichos em desespero. Mas... E Maria? Por onde será que anda a danada? O quintal. Sim, o quintal. Lá está Maria deitada. Plácida, estática, pó. Desfigurada. Sem poesia. Sem João. Sem poder ver a luz do dia. Com os vermes a penetrarem em suas intimidades.

Corre Zé! Vem depressa! Maria ligou para Dona Santinha e disse que está arrependida e quer voltar, se você perdoá-la. Tudo já está resolvido. Dois tiros e só. Sangue para todo lado. O amor evoca certos demônios que a nossa desnatureza não sabe por que os compreende. Ou violentamente os vinga.

Maria chegou numa terça-feira. Era tarde. Chovia. João chorou de alegria e seu coração quase para. Zé gostava tanto dela que não se importava mais com os comentários ruidosos e cheios de treva. O amor enfim vencerá. A noite veio leve. João gozou em cima mesmo do púbis toda a sua força de homem que sabe mesmo como se faz uma noite valer a pena. Dois tiros! Meu Deus! Meu Deus! Que pesadelo terrível! Dois Pais-Nossos. Muitas desavenças e Ave-Marias.

Maria menstruara. O medo de estar grávida denunciaria sua traição. Zé tem gala rala. É “goro”. Todos sabem. Das três mulheres que já teve, nenhuma deixou a marca do seu suor como herança. Muita raiva. Muito sexo. Nada.

Sexta-feira. Meia-noite. Nenhum grito. Maria deixava de ter esperanças. Dizem que ela viajou para visitar umas tias num interiorzinho distante daqui. Bem que Dona Santinha tinha razão.

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