sábado, 27 de outubro de 2018

Adriano Nunes: "Portento"

"PORTENTO"


DOQUEARMAR
DOQUEARMAM
DOQUEARMME
DOQUEARMEL
DOQUEAMELH
DOQUEMELHO
DOQUMELHOR
DOQMELHORA
DOMELHORAM
DMELHORAMA
MELHORAMAR


Adriano Nunes

Adriano Nunes: “Göretzyn e o horror”

“Göretzyn e o horror”



Não houve manhã para este dia
Que se fez noite antes do instante
Previsto, como se o tempo, às pressas,
Saltasse de si, com tanto medo
Do intervalo, a sua própria forma.
Estão muito assustados, agora,
Exceto Göretzyn, que já mesmo
Decidiu não mais ser coisa alguma.
Estão todos bastante assustados.
Será que virão íntimos bárbaros?
Göretzyn deu-se mudo ao que resta.
Ele não fala porque as palavras
Não lhe servem para nada. Nada
Do que pensa vem de si, nem essa
Esperança arriscada que têm
As pessoas de Rylsab. Ninguém
Ousa dizer que está tudo bem.
Ninguém ousa dizer que está mal.
Apenas Göretzyn sente o peso
Do alívio de não ser. Não importa
Que a morte lhe traga a boa-nova.
Nada da existência lhe interessa.
Nada do infinito amor lhe traz.
Não lê jornais. Não tem os desejos
Banais que a paz oferta vez em
Quando. Ele sabe que o horror vem
Com as vestes da voraz vingança.
Göretzyn de si assim se cansa.
Ele pensa que deixou de ser
Quem ele supõe ser quem se sente.
Faz um calor imenso nesta treva.
Rylsab é terra de ninguém mais.
Mata-se porque se é, por ais
Que o espírito dilaceram, mata-se
Por haver tempo e lugar, por álacres
Gestos de humanidade. Não choram
Mais as crianças. Brincam sequer
De ser crianças. Dormem na noite
Antecipada, da angústia à tez.
Porém não terão voz e nem vez.
Dormem a ilusão desse porvir
Estilhaçado por crenças falsas.
Dançam rindo a fúnebre marcha
Da intolerância prêt-à-porter.
Göretzyn pensa em pular da ponte.
Ah, pobre Göretzyn! Já não há
Pontes que o conduzam para lá.
Não há esse “lá”, sinta, saiba!
Não há porque a vida se desfez
Ante o ódio comportado, sob máscaras,
Ante a hipocrisia citadina!
Não beba dessa cicuta pura
Das conveniências, dos padrões!
Você irá viver novamente!
Você irá morrer novamente!
Vão torturá-lo sempre, ruí-lo,
Reerguê-lo, destruí-lo, sempre,
Sempre. O horror não somente o deseja,
Göretzyn, como dele grã parte!
O horror até lhe deu outra face,
Não percebe? Por isso não quer
Ser Göretzyn. Atira-se ao vácuo
Das sinapses, o apagar das luzes,
As atrocidades dos seus monstros
A preencher o destino, o olhar.


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Solidão"

"Solidão"


Calor. O sol não está
Para brincadeiras.
Tudo parece que ferve.
Ar, terra, ser, mar.
A cidade em febre.
O ódio e o amor já
Não se escondem. Deixa
Que te conte, então,
Sobre a solidão.
Ela dói à vera,
Fere feito fera.
Tu virás ou não?


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "A poesia" - para Fernando Sérgio Tenório de Amorim, por seu aniversário (23/10)

"A poesia" - para Fernando Sérgio Tenório de Amorim, por seu aniversário (23/10)


A poesia
Nunca seria
O que mais é 
Se apenas fosse
Possível ser
Como queremos.
Barco no mar
Sem quaisquer remos,
Sem velas, já
Próximo até
Do inescapável.
Gás inflamável
À beira da
Chama do nada.
A poesia
Tem mesmo lá
Data marcada
Quando almejamos
Louvores dar
A quem amamos.
Com metro e ritmo
Precisos, fiz
Para você,
Querido amigo,
Ser mais feliz
Do que tem sido,
Algumas quadras
Vindas da alma!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Não lamentes teu descaso"

"Não lamentes teu descaso"


Quando for o novo dia,
Não digas que não sabias,
Que nunca fora avisado
O teu ser, os teus e todos
Aqueles que muito amar
Falavas. Ah, quando for
O dia de grande horror,


Não lamentes teu descaso.
O horror não mata ao acaso.
Vinga a matar e não basta.
Ele não só mata o corpo.
Ele não só mata a alma.
Quando não puderes mais
Fugir, irás querer paz,

Quando não puderes mais
Gritar contra a vil censura,
Quando não tiveres mais
Força alguma contra o crime,
Quando nada te redime
Mais de ti, quando mais não
Puderes pedir perdão

A ti mesmo pelos erros,
Pela estúpida cegueira,
Que a vida esvai-se verás.
A de muitos, acredita!
Vê, talvez seja a primeira
Vez que entendes o amor
Por todos, o que findou.

Melhor: este amor à vida
Que existe em democracias.
Ah, quando for o tal dia,
E perceberes aflito
Que puseste, sim, em risco
As liberdades, com que
Verdades vais-te rever?

Ah, não puseste a perder
Tudo, devido ao poder
Que atrai humanas vontades,
Que detesta as diferenças,
Que com dor se regojiza?
Quando for o triste dia,
Que olhes pra trás, não basta!

Quando levarem teus amigos,
Quando estuprarem amigas,
Que não sabias, não digas.
Quando entrarem em teu lar,
Acusarem-te do que
Sequer há, que irás fazer?

Quando souberes que estão
Demitindo dos empregos
Colegas de profissão,
Por pensarem diferente,
Que falarás para os filhos
Destes? Que é a tua gente
Que outrora bem defendias?

Será que terás coragem
De admitir que tão covarde
Foste? De que agora vale
O arrependimento frio
Ante o horror enraizado
Em toda a esfera civil-
Mente lesa do Brasil?

Que dirás para ti mesmo
Quando até tiveres medo
De ti diante do espelho
Cruel da realidade?
Que restará de ti, tendo
De inexistir em ti, dentro?
Por que não mudas a tempo?

Adriano Nunes

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Adriano Nunes: "Numa caixa d'osso" - para Antonio Cicero


"Numa caixa d'osso" - para Antonio Cicero


O cérebro pensa
Estar sobre tudo,
Ainda que mudo,
Além-imanência, 

Plantado no alto,
A eus-eixos preso.
Entre mil cabelos
E a vértebra Atlas, 

Numa caixa d'osso,
O cérebro sente
Ser só. Diferente-
Mente, do pescoço

Pra baixo, um liame
Faz-se pelos órgãos
Vassalos, então.
Ah, ninguém reclame

Do sol das sinapses!
Um amor perdido,
Os versos no olvido
Do trilhar do lápis!


Adriano Nunes


Adriano Nunes: “soneto ao pensamento”

“soneto ao pensamento”


preciso engendrar um
pensamento que
não se limite a vir 
de dentro, um pensamento
que não mais se limite
a ser só pensamento.
que ao ser sirva de liga,
o múltiplo de si,
que, de algum modo, diga
a que vem, um pensar
pensado, sopesado,
pra qu’ eu possa senti-lo
fundo e fora, no mínimo,
como bálsamo, agora.

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Doem-me os desassossegos de ser eu"

"Doem-me os desassossegos de ser eu"


Ó, tristeza, vê se somes, vê se
Deixas mesmo pra lá tudo o que esse
Instante quer marcar, ó, grã tristeza,
Vê se desapareces da cabeça,

Do peito, dos cansados braços, se
Podes, sem vis surpresas, sair desse
Espírito, do corpo, vã tristeza,
Vê se foges de mim, feito certeza!

Doem-me os desassossegos de ser eu
Os acasos de ser quem mais me penso
E peso! Doe-me tudo e tudo é denso

E ferve adentro: sentir é intenso!
Ó, labirintos do que aconteceu
Às ilusões! Tristeza, dize adeus!

Adriano Nunes

Adriano Nunes: "De sabê-los em mim, agora, assim"

"De sabê-los em mim, agora, assim"


Dizer do amor o amor já decantado
Em cada verso escrito, não por mim,
Mas por antigos bardos que a meu lado
Abrigo sempre, mestres do sem-fim

Estético, do gênio que tem dado
À existência o sentido raro, enfim,
Imergir em meu metro o sonho alado
De sabê-los em mim, agora, assim.

Oh, poetas queridos, qual o bem
Maior poderá ser do que o contato
Que tive com os sóis vossos e além?

Oh, quartos, Grécias, Ítacas! De fato,
Sei que estive em épocas que já nem
Têm como expostas ser de modo exato!

Adriano Nunes: "Da inquietude de tudo" - para Frejat

"Da inquietude de tudo" - para Frejat


Sim, já faz algum tempo
Que ouvi, além dos muros
Da inquietude de tudo,
O grito do alheamento
A reclamar de Métis
Um átimo a mais, talvez
A vida duma vez,
O desejo sem lei.
Sim, já faz certo tempo
Que senti, fundo, dentro
Da solidão de ser
Quem me percebo e penso
O susto dos que estão
Em apuros co'a verve
Dos sóis do coração.
Ah, quanto já sonhei!
Vem, Mnemósine, a tempo
De engendrar em mim mundos
Sonoros, o que excede
Do óbvio, à flor do Lete!
Sim, tanto tempo fez
Que abriguei no olhar quão
Do amor vinga canção.

Adriano Nunes: "Θάνατος" - para Gal Oppido

"Θάνατος" - para Gal Oppido


Da Noite, o filho mais temido,
É o que os tais humanos têm dito.
Do Destino, o lance fatal,
Súbito, às vezes, outras mal
Podemos descrever, qual nuvem
Escura no céu, tudo ilude.
Um gesto e... Traz o inesperado
À tona: a existência tão frágil
Parece render-se a seu ato
Nefasto. Dizem ser mais forte
Que o próprio pensar e que pode
Verter o Tempo que é contado
Em memória, em silêncio e olvido.
Ó Tânatos, deus dos acasos
Que a vida têm atormentado,
Como escapar de ti, se existo?


Adriano Nunes