quarta-feira, 26 de março de 2014

Adriano Nunes: "Dialética"

"Dialética"



Preciso sair da caverna de Platão. 
A vida deve vingar viável
Lá fora.
Tudo é tudo ou nada.
Que em mim libertar-me-á
Do que me ilude e 
Demais me apavora?
Lacero as amarras,
Alargo os olhos,
Dou alguns passos,
À razão me moldo.
Enceno ir embora
Sem volta.
Volto?

Idea Vilariño: "Qué me importa"

"Que me importa" (tradução de Adriano Nunes)


Que me importa o amor
o que pedia
era teu ser inteiro para mim
em mim
em minha vida
embora não te tivesse
mesmo em dias semanas meses anos
não tivesse o doce cheiro de flores
de tua pele suave usada
que me dava
todo o amor do mundo.
senão
o amor
que importava
que importa.



Idea Vilariño: "Qué me importa"



Qué me importa

Qué me importa el amor
lo que pedía
era tu ser entero para mi
en mi
en mi vida
aunque no te tuviera
aunque en días semanas meses años
no tuviera aquel dulce olor a flores
de tu piel suave usada
que me daba
todo el amor del mundo.
Lo demás
el amor
qué importaba
qué importa.




VILARIÑO, Idea. Poesía Completa. Montevideo: Cal y Canto, 2012, p. 157.



terça-feira, 25 de março de 2014

Ezra Pound: "The Faun"

"O Fauno" (Tradução de Adriano Nunes)

Ah! Senhor, tenho visto-te fungando e deslizando
sobre
minhas flores.
E o que, indago, sabes de horticultura,
seu caprípede?
'Vinde Austro e Apeliota,
E vede o fauno em nosso jardim.
Mas se vos moveis ou falais
Essa coisa de vós correrá atrás
E espantar-se-á em espasmos.

Ezra Pound: "The Faun"

"The Faun"

Ha! sir, I have seen you sniffing and snoozling
about
among my flowers.
And what, pray, do you know about horticulture,
you capriped?
'Come, Auster, come Apeliota,
And see the faun in our garden.
But if you move or speak
This thing will run at you
And scare itself to spasms.'

POUND, Ezra. Lustra. London: Elkin Mathews, 1916, p. 46

domingo, 23 de março de 2014

Adriano Nunes: "De ser mais que ideia e carne"

"De ser mais que ideia e carne"



O medo me fez menor
Diversas vezes. Mas isso
É mais um segredo que
A estes versos entrego,

O tempo preso às laringes
De grafite. Quantos sonhos
Largados no breu do quarto!
Quanta alegria contida!

Era o amor, a rua, o mundo
Em redor. Tudo profundo
E tão distante do alcance
Do meu tonto coração! 

Avanço à janela. A aurora,
À mostra, molda a vontade
De ser mais que ideia e carne.
Que angústia que me invade!

sábado, 22 de março de 2014

Adriano Nunes: "En passant"

"En passant"


A cada inquieta batida
O meu coração visita-te.
Rei sem nenhuma saída,
Próximo do xeque-mate.

Quanta artimanha esquecida
Nesta manhã! Quanto embate
Rodeando a minha vida!
Que o pensar me resgate!

Eis o que a lida lapida
Enquanto a paixão recita-te:
Um lance! Nova investida
Para possível empate!

sexta-feira, 21 de março de 2014

Adriano Nunes: "O que esconde a pena"

"O que esconde a pena"


Avanço à janela.
Vejo a manhã plena,
Densamente bela,
Que em mim se armazena.

Portentos, por ela,
Papel, tinta, cena,
O que à voz se atrela,
Vida que envenena.

Que alegria tê-la
No poema - arena
De signos, estrela
Mor, flor de açucena

Que à vez se revela,
Cor que reordena
A magna aquarela
Que o existir engrena!

A trova singela
Das aves na antena
Da tevê tutela
O que esconde a pena.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Adriano Nunes: "Sobre-estético"

"Sobre-estético"


Ante o peso
Do momento,
Em ti penso.

Tarde adentro.
Ritmo aceso
Pra o que quero

Do mistério
De haver mesmo
O mistério

De ser verso.
Pelo pêndulo
Desse elo

Sobre-estético,
Em ti penso,
Medo e metro.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Antonio Machado: "Parábolas VII"

"Parábolas VII" (Tradução de Adriano Nunes)

Diz a razão : Busquemos
a verdade.
E o coração: Vaidade.
A verdade já a temos.
A razão: Ai, quem alcança
A verdade!
O coração: Vaidade.
A verdade é a esperança.
Diz a razão: Tu mentes.
E contesta o coração:
Quem mentes és tu, razão,
que dizes o que não sentes.
A razão: jamais pod'remos
entender-nos coração.
O coração: bem veremos.

Antonio Machado: "Parábolas VII"

Dice la razón: Busquemos
la verdad.
Y el corazón: Vanidad.
La verdad ya la tenemos.
La razón:¡Ay, quién alcanza
la verdad!
El corazón: Vanidad.
La verdad es la esperanza.
Dice la razón: Tú mientes.
Y contesta el corazón:
Quien miente eres tú, razón,
que dices lo que no sientes.
La razón: Jamás podremos
entendernos, corazón.
El corazón: Lo veremos.


MACHADO, Antonio. Poesías completas. Madrid: Publicaciones de la Residencia de Estudiantes, 1917, p. 243.


domingo, 16 de março de 2014

Clara Janés: "Thanatos"

"Thanatos" (Tradução de Adriano Nunes)

Erguido no mais alto o galo canta
e de nada lhe serve,
logo regressa a noite
para tornar em luto
sua tão fátua crista,
cruel, gelada mão,
que lhe inflige por leito
seu peito de negrume.


Clara Janés: "Thanatos"


Subido en lo más alto el gallo canta
y de nada le sirve,
ya regresa la noche
para tornar en luto
su tan altiva cresta,
cruel, helada mano,
que le impone por lecho
su pecho de tiniebla.


JANÉS, Clara. "Eros". Revista Oral de Poesía. Poesía en el campus. Universidad de Zaragoza.1987-88 y 1988-89. Numero 1 Al 7. Zaragoza: Tipo Línea, S.A., 1989, p. 107.

Adriano Nunes: "Dessa fome assaz feroz"

"Dessa fome assaz feroz"


Repousa plena a manhã
Sobre tanta expectativa,
Planos pra que a vida vã
Vingue veraz, vasta, viva.

A poesia, este encarte.
Que não a revelaria?
Eis o amor de cada dia
Entregue a todos, com arte,

O canto dos rouxinóis,
Das folhas, o baile ao vento,
Os tantos quânticos sóis,
Meu olhar grácil e atento,

Pra dar sentido ao que penso
E compor mais do que a voz
Quer, pintar o instante denso
Dessa fome assaz feroz.

sábado, 15 de março de 2014

Adriano Nunes: "Em cada silêncio"

"Em cada silêncio"

Ó meu olhar triste,
Tigre amedrontado,
Ó meu olhar triste,
Que suportar podes

Mais? A inútil lide
A envenenar homens,
A quimera quântica
Do ser, das palavras,

O almejado norte
Ante a despedida
Dos elos, o báratro
Que no amor se esconde,

O pranto do amigo,
O que está perdido
Em cada silêncio
De silício, a arte

A desabrochar?
Ó meu triste olhar,
Amansado tigre,
Que tens para dar-me?

Adriano Nunes: "Con extrañeza y dolor"

Adriano Nunes: "Con extrañeza y dolor"



Canta mi corazón
La hora más destrozada,
El jardín de la alegría
Moldeado en la memoria,
Aquel niño que yo era.

¡Ah, juguetes ya perdidos
Entre duras primaveras
E el moho de la ilusión!
¡Ah, tantos cuentos de hadas
Oídos en la luz tierna

De mi inocencia! ¡Mi pecho
Canta, canta tu balada
De angustia y monotonía,
Lo que en mi ser fue deshecho

Con extrañeza y dolor!

sexta-feira, 14 de março de 2014

Adriano Nunes: "Social poison"

"Social poison"


A boy

No love
No light
No law
No life
No stregth
No art
No class
No voice
No job
No play
No toy
No luck
No help
No smile
No book
No sky
No star
No care
No health
No dream
No name
No route
No time
No red
Rug or
A clap
No way
Out or
A chance
He changes

A yob

Adriano Nunes: "Do existir, do agora"

"Do existir, do agora"



Dado ao espelho, espalho-me 
Em mim, meço alguém 
Que ser sonho, sondo o
Que arde sem fim,

O íntimo estrondo
Que me diz ser isso
Os gestos perdidos
Do que, adentro, fundo,

Deseja de volta
Aquele menino
Que engendrara vidas,
A poemas junto,

Sem as regras rígidas
Do existir, do agora.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Juan Ramón Jiménez: "¡Ese día, ese día"

"Esse dia, esse dia" (Tradução de Adriano Nunes) 



Esse dia, esse dia 
em que eu olho pra o mar (os dois tranquilos), 
confiado a ele: a minha alma 
(esvaziada por mim na Obra plena) 
segura pra sempre, como uma grande árvore, 
na costa do mundo; 
com a segurança de copa e de raiz
do grã trabalho feito! 

(Esse dia, em que seja
navegar descansar, porque tenha eu
trabalhado em mim tanto, tanto, tanto!)

Esse dia, esse dia
em que a morte (negras ondas!) não me corteje
(e eu já sorria, sem fim, a tudo),
porque seja tão pouco, ossos meus,
o que tenho deixado eu de mim! 




Juan Ramón Jiménez: "¡Ese día, ese día"




¡Ese día, ese día
en que yo mire el mar (los dos tranquilos),
confiado a él: toda mi alma
(vaciada ya por mí en la Obra plena)
segura para siempre, como un árbol grande,
en la costa del mundo;
con la seguridad de copa y de raíz
del gran trabajo hecho!

(¡Ese día, en que sea
navegar descansar, porque haya yo
trabajado en mí tanto, tanto, tanto!)

¡Ese día, ese día
en que la muerte (¡negras olas!) ya no me corteje
(y yo sonría ya, sin fin, a todo),
porque sea tan poco, huesos míos,
lo que le haya dejado yo de mí!




JIMÉNEZ, Juan Ramón. La Obra. Antología poética. Prólogo y selección de Antonio Colinas. Madri: Alianza Editorial, 2006, p. 300-301.



sexta-feira, 7 de março de 2014

Adriano Nunes: "Público" - Para Adriana Calcanhotto

"Público" - Para Adriana Calcanhotto



Tête-à-tête avec le téléviseur,
Os olhos das ondas da antena
Ante a cantilena do infinito
Que o agora armazena,
O passado multifacetado,
O porvir que só serve se vier,
O desafio posto a fio,
Um tempo qualquer para o íntimo.

O aberto campo óptico,
O óvulo do óbvio a fluir
Pelas trompas de Falópio 
De todo propósito, o mênstruo
Do pensamento, um portento,
O vácuo além das regras da retina,
O aplauso, o apêndice, o cálculo
Inexato para o amor dado.

O jornal em Portugal,
O privado em sentido contrário, 
O frio sem freio das notícias, 
O risco que corre uma rima,
O rumo ruminante do querer,
O rascunho, o piscar do 
Olho mágico fixo 
Na parede do quarto

De hotel, um liame lábil,
A lábia ao léu,
Este poema que é seu,
Que salta do contentamento
Que em mim aconteceu,
Para sentir o outro lado, 
O mútuo, o mote único, 
O público.




Adriano Nunes: "As pálpebras abertas para o amor"

"As pálpebras abertas para o amor"



Observo-te: paisagem implacável, 
Desesperada ficção. Ó miríade
De noites que deram em nada, amarras, 
Venenos, tédios e pontes poéticas
Ante a estátua da plástica volúpia,
Gozo pleno de adjetiva amplidão!

Vejo-te vindo, aqui, com outras línguas,
Sem o peso do metro, do recheio
Do ego, e aceito o flerte acidental
Do acaso, das taras incautas, por 
Estar rendido aos teus plexos, pura 
Alegria de sexo sem semáforos.

Canto-te em mim. Concebo a tua falta,
- Querer louco de unir os nossos óbvios,
As pálpebras abertas para o amor -
Pra compormos o que for das lembranças
Densas que nos amalgamam – Dois sóis 
Em cio e só: cabeça, tronco e membros.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Adriano Nunes: "Todo o infinito estrelado"

"Todo o infinito estrelado"



A tecer o amor passaste
Entre a liberdade e a lábia.
Era tudo mesmo quântico,
- Todo o infinito estrelado -
Nos labirintos do quarto.

Os embaraçados beijos, arte
Festiva pra os tantos lábios
Que muito se lançam à
Lei do amado, do que ama.
Então passaste a almejar

Os sóis da súbita tara,
As delícias oculares,
Os assaltos da ilusão
Atados ao coração
Dessa lembrança que arde.

Era o remédio que tinhas
Pra as desconfianças minhas.

Adriano Nunes: "Sem nem saber que tudo é vão"

"Sem nem saber que tudo é vão"



Enquanto espero, no salão
De beleza, a minha vez, penso
Meu mundo. Quanto ele intenso
É para o meu só coração,

Que vive, em rítmica ilusão,
Repetindo o batuque denso
De cada momento, sem senso,
Sem nem saber que tudo é vão. 

Desperto-me para a chamada
Da secretária. Serei eu
A Medusa precipitada,

Perante a espada de Perseu,
Pronta pra os báratros do nada,
Para o ser que em mim se perdeu?

Leopoldo María Panero: "Ars Magna"

"Ars Magna" (Tradução de Adriano Nunes)



Que é a magia, perguntas,
em um quarto às escuras. 
Que é o nada, perguntas, 
saindo do quarto. 
E que é um homem saindo do nada
e regressando ao quarto solitário. 




Leopoldo María Panero: "Ars Magna" 




Qué es la magia, preguntas,
en una habitación a oscuras.
Qué es la nada, preguntas,
saliendo de la habitación.
Y qué es un hombre saliendo de la nada
y volviendo solo a la habitación.



PANERO, Leopoldo María. Poesía Completa 1970-2000. Madrid: Visor, 2001.



PANERO, Leopoldo María. "Ars Magna" in Enfocarte n. 26/2005. (www.enfocarte.com/archivo.html). Acesso em 06/03/2014.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Adriano Nunes: "Intimidade"

"Intimidade"



Em sua forma plena a solidão. 
Amo muito Pessoa 
E William Shakespeare.
Em que tempo nasci?

Tento escrever poemas
Para desafiar
O infinito. Sem medo,
Às vezes, tudo sinto.

Mas não há nada mais
Íntimo que falar
Do que está sob amarras,
A mil chaves guardado:

Gosto de jenipapo
E das tais alcaparras!

terça-feira, 4 de março de 2014

Adriano Nunes: "Fallendi ars"

"Fallendi ars"



Finda o carnaval. Cada um
Agora volta à máscara
Original, sem trauma.
Somente o intacto tédio
De, talvez, tê-la sempre
Presa à face e, quem sabe,

Àquela oculta face
Que vinga por detrás
Da grã verdade. Mas
O ruído festivo
Das gentes tantas e
Dos desejos ardentes

Permanecerá livre,
Dia após dia, para
Que a vida também se
Faça de farsa e mágica.
Finda o carnaval. Cada um
Com seu ar natural.

William Butler Yeats: "The sorrow of love"

"O pesar do amor" (Tradução de Adriano Nunes)



A querela dos pardais nos beirais,
A lua inteira em roda e o céu de estrelas,
E o som alto das folhas musicais,
Da terra ocultaram velhas mazelas.

E vieste com lábios rubros lúgubres,
E contigo do mundo os muitos prantos,
E todo o estorvo das naus nas tormentas,
E todo o estorvo dos seus anos tantos.

E agora brigam pardais nos beirais,
Leitosa a lua, ao céu alvas estrelas,
Das inquietas folhas, salmos mais,
Tremendo estão com as velhas mazelas.




William Butler Yeats: "The sorrow of love"




The sorrow of love



The quarrel of the sparrows in the eaves,
The full round moon and the star-laden sky,
And the loud song of the ever-singing leaves,
Had hid away earth’s old and weary cry .

And then you came with those red mournful lips,
And with you came the whole of the world’s tears,
And all the trouble of her labouring ships,
And all the trouble of her myriad years.

And now the sparrows warring in the eaves,
The curd-pale moon, the white stars in the sky, 
And the loud chaunting of the unquiet leaves,
Are shaken with earth’s old and weary cry.



YEATS, William Butler. The love poems. London: Kyle Cathie Limited, 2010, p. 31