sábado, 31 de julho de 2010

ADRIANO NUNES: "Manguelândia" - Para Lêdo Ivo.

"Manguelândia" - Para Lêdo Ivo.




Aqui não se vê vergonha.
A tez do povo é robalo,
Caranguejo, lodo, lama.
O sonho? Como sonhá-lo
Entre a terra decomposta
E o mar? Nunca só suponha
O tamanho da alegria

Das crianças a brincar
Com inverterbrados cães,
Brinquedos sujos de barro,
Cipós, garrafas de plástico,
Camaleão na cabeça,
Atração para os turistas.
Aqui vive a dor quem ama

O peixe fritado em posta,
As picadas dos mosquitos,
Moscas, mormaço, maré,
Camarão, chama-maré,
Lagosta, mexilhão, craca.
A vida vinga é o que é:

Caranguejo aratu, uçá,
Guaiamum... Tudo atolado
No arcabouço das raízes
Aéreas... Graça das garças
A ver o porvir ruir
Rente à predatória luz
Da esperança. O litoral

Biodiverso abriga o tempo
Da promessa, do progresso.
Aqui toda praça pública
É canoé. Luz elétrica
É o farol... De vez em quando,
Deuses aparecem cá,
Além das mãos calejadas,

Feito martins-pescadores.
Os moradores não choram
Pelo leite derramado,
Não cantam a vã vitória
Das sangrentas e sagradas
Guerras diárias. Seus prantos
São tais lágrimas crustáceas.

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