quinta-feira, 9 de junho de 2016

Adriano Nunes: "Do que se quer fincar"

"Do que se quer fincar"


Tarde de calor e tensão.
Pensamentos se dispersam
Pelas folhas anêmicas, enquanto 
Tudo insiste em ser tudo além.
Não há propósitos no peito.
Ouço Sísifo sussurrar-me "vem!".
Desatam-se de mim os tantos
Que fui outrora, outros que sou
Quando o lápis não se conforma
Com o breu das sucessivas sobras
De esperanças já gastas com a lida.
O vazio de tudo em mim também
Maliciosamente me retém,
Com sua linguagem coercitiva.
Ah, o rebuliço convulsivo
Da métrica astuciosa de cada desejo!
Ah, a solidão exasperada e exímia
Colecionadora de práxis, proezas e prantos!
Tudo nesta tarde... Medos mancos
Que se amalgamam em quimeras líricas -
Um barco com aquele furinho à vista
Depois do mar alto e da tempestade!
Quântica tarde de memórias e voltas
Por cima e acima do que se quer fincar
Em meus nortes, por dúvida e descaso.
Nada demora e nada passa rápido...
Coração, que me deste, que fizeste
Das minhas Medusas e Esfinges,
Dos meus Proteus? Que agora faço?
A vida tem sido dura e leve, decerto.
Ela tem-se esmagado para estar na moda
Nefasta dos estilhaços estéticos
De ser como se tem, por ordem, que ser.
Até quando posso, tenho sido eu.
E tenho-me dado alguns versos.
Tarde de calor e desprendimento.
Rasga o instante o ruir do relógio na parede
Da sala do sonho que já não há.
Que nunca houve.
Volto-me à janela e, perplexo, descubro
O que me liga às mágoas do mundo.
Ah, as máscaras às taras atadas!
Ah, os carrascos sem máscaras!
Como seria tedioso e sem essência
Se bastasse um passe de mágica!
Se bastasse dizer: "basta!"
Dá-me o Nada, dá-me o Nada,
Coração desobediente e crápula!

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