segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Adriano Nunes: "Lírica"

"Lírica"



Nos braços, carrega-me, Euterpe,
Para o fluir da tua flauta.
Sê, aqui, uma vez, incauta.
Com notas, doma e dá-me a Serpe,
Para que eu possa imergir
Em mim, agora: a vida ferve!

Nos braços, carrega-me, Erato,
Pra os liames da tua lira.
Antes que a Fortuna me fira.
Com tons, assome e dá-me o exato
Ritmo, um nome para louvá-lo,
Assim, atira-me ao devir.

Nos braços, carrega-me, Tália,
Pra as mímicas da tua máscara.
Vê, por sorrir, já é amá-la?
Com risos, longe atira a amarra,
Para que eu possa das áleas,
Sim, esquecer que a vida é breve!

Nos braços, carrega-me, Clio,
Para os precipícios da História.
Serve-te de mim, sem demora,
Para que eu aprenda, a fio,
A dor da perda e, a vez da glória.
Enfim, mostra-me como agir.

Nos braços, leva-me, Calíope,
Para a tua eloquência alegre.
Faze-me reverter as ordens
Bárbaras, com o sol da fala.
Percebe bem: tudo nos rege
Sem fim. Que palavras são leves?

Nos braços, leva-me, Polímnia,
Para a tua grã geometria,
Para a tua sagrada verve.
Ensina-me os hinos, anima
O meu âmago. Que seria
De mim, sem o verso medir?

Nos braços, leva-me, Terpsícore,
Para os passos da tua dança,
Para os giros e rodopios
Da Arte. À lira o plectro lança,
Para que o som saia mais forte.
A mim que ainda mais compete?

Nos braços, leva-me, Melpômene,
Para a tua clava e grinalda,
Pra aprender a tua tragédia,
As tuas tantas leis estéticas.
A proeza já me consome.
Ao fim, faze-me persistir!

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