quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Adriano Nunes: "As ilhas de Vert-Vert" - para Alberto Lins Caldas​

"As ilhas de Vert-Vert" - para Alberto Lins Caldas​ 


O cais de Vert-Vert está lotado.
Nunca se viu tanta gente, dado
Que algo extraordinário, saibamos,
Deve acontecendo estar.
Podemos ver, com atenção e calma,
Que um gigantesco comércio se dá 
Em redor do porto e dos velhos barcos
Pesqueiros. Vert-Vert é uma cidade do mar.
Entregue ao mar. Desde quando
Era só de Cila e de Caríbdis o mar.
Mas, hoje, Vert-Vert, abrira as suas portas para
Uma surpresa inigualável e rara:
Qualquer um poderá ver as
Ilhas de Vert-Vert. As tais
Ilhas que desde a existência da raça 
Eram vigiadas à fúria, a ferro, a fogo e a farpas.
Que haverá nas ilhas de Vert-Vert que faz
Com que de todo o mundo o olhar
Volte para lá? Voltemos os nossos então!
Que essas duas pequenas ilhas têm de mais?
Sim, são duas ilhas pequenas, a
Poucas milhas náuticas
Do cais. O cais que agora é o mercado
Do mundo. Do mundo que há.
Filas e filas. Vendas e vendas. Tantas
Falas. Tanta babel. Quanta ilusão!
De rubis e safiras a íntimas vontades,
Tudo é vendido: alma, corpo, mágoas,
Tempo, sonho, tédio, canto e carne.
Até o amor está à venda no negro câmbio,
À socapa. Deuses são levados
À leilão. Uns são trocados
Por fermento, farinha, feijão e fubá.
Nada está de graça. De enganos caros
Às mais distantes galáxias,
As vendas se fazem mágicas.
E tudo cresce junto ao grande mercado
Do mundo que há: crimes, carmas,
Cartas, custos, crenças, caos, cláusulas.
Presente, passado, futuro,
Vendido é deveras tudo.
Enquanto a vez as pessoas aguardam
Para ir às ilhas de Vert-Vert, mandam
Os guardas que se faça ordem para
Que todos possam chegar lá.
Fichas cadastradas são dadas
A todos. E todos esperanças trazem.
É quase uma da tarde.
O sol incendeia as possibilidades de já 
Haver alguma coisa além válida.
Alguns matam e morrem por causa
Da chance de agora poderem viajar
Para as ilhas de Vert-Vert. Nada
É mais desejado do que a viagem
Que se é permitida depois de vasto
Tempo - talvez o tempo de contar
O tempo que se conhece desde quando
O tempo ainda era manhã na primeira manhã.
Nenhuma coisa importa mais 
Do que  a ida às ilhas de Vert-Vert. Passem
A saber do que há nesse lugar:
Dizem ser mesmo a raridade das raridades:
As raspas da humana dignidade!
É quase uma hora da tarde.
Nada é mesmo de graça.
O mercado ferve, arde.


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