quarta-feira, 15 de julho de 2015

Adriano Nunes: "Por um fio"

"Por um fio"


Apresento-vos a minha solidão.
Sem métrica certa. Para que serve a métrica
Numa hora dessas?
Sem ritmo preciso. Para que ritmo
Se só é possível andar em círculos?
Sem forma fixa. Para que forma
Se as ilusões me devoram?
Eis a solidão na qual o meu ser se finca.
Ela não tem nada
De especial. Não é a tal.
Faz o que quer de mim
Quando quer, entre as pedras
E o líquen dessa muralha-lar.
Ela, às vezes, toma-me
Por completo. Aí, ouço, ao longe,
O murmurar do mar,
O esvoaçar ao vento das velas...
Sois vós a chegar?
E quando imagino que cessa,
Ela me aparece sorridente,
Diz que a minha falta sente,
Que sente falta das horas
Em que me entristeço,
Em que em meus caminhos me perco,
Em que me deixo ir com o fluir,
Sem nem saber de mim,
Em que o sonho me ignora.
Apresento-vos esta
Que me abraça agora
Como se quisesse mesmo
Contar-vos algum segredo.
Dela sei bem. Juntos
Fazemos parte de cada corredor ignoto,
De cada percurso, de cada trilha,
De cada pista envelhecida.
Mas quem sois vós?
Por que não me enviais um arauto,
Um oráculo? Por que não me responde
A vossa inteligência
Se sou bicho ou homem?
Uma palavra,
Qualquer signo?
Quem sois vós que me deixais
Na expectativa de mais e mais?
Apresentai-vos, se for o caso.
Sois um outro perdido?
Um inimigo?
Sois o que sou?
Sois o bálsamo que aguardo
Enquanto do abandono salto
Pra esquecer que só sou um protótipo,
Em Cnossos, a gosto vosso?
Não sois ninguém?
Sou eu. E grito: sou eu
A doer porque me peso e sinto,
A estar preso ao íntimo labirinto,
A esperar desesperado por Teseu.
Eu, o Touro de Minos.

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