domingo, 19 de abril de 2015

Entrevista concedida à escritora Arriete Vilela para a Gazeta de Alagoas

Entrevista concedida à escritora Arriete Vilela, publicada na primeira página do Caderno B da Gazeta de Alagoas (http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/acervo.php?c=264475), no dia 18 de abril de 2015




 Adriano Nunes é médico, funcionário público federal, estudante de Direito da Universidade Federal de Alagoas, poliglota, tradutor, poeta, tendo escrito os seus primeiros poemas aos 5 anos e publicado o primeiro, aos 11 anos num jornal alagoano, autor dos livros “Laringes de Grafite (Vidráguas, 2012) e “Antípodas Tropicais”(Vidráguas, 2014). Lançará este ano a tradução do livro “Areopagitica”, de John Milton, escrito em 1644.



1.   “A vida verdadeira, a vida afinal descoberta e tornada clara, por conseguinte a única vida plenamente vivida, é a literatura”?  (Marcel Proust)

Adriano Nunes: a vida verdadeira, quem a saberá? Na Arte, quaisquer vidas são válidas porque somos todos levados a desdobrar-nos para poder vivê-las. A literatura é capaz de dar-nos múltiplas vidas, existências, mas suponho ser impossível determinar que, mesmo múltiplas, são as únicas plenamente vividas. A vida palpável, intangível, por mais dura e amarga que possa ser, ainda tem o aprazível matiz da esperança, do contato, da realidade. Em 1933, Fernando Pessoa, contemporâneo de Proust, escreveu, com beleza magnânima, que “Temos, todos que vivemos,/Uma vida que é vivida/E outra vida que é pensada,/E a única vida que temos/É essa que é dividida/Entre a verdadeira e a errada.” Das vidas que há, valerá qualquer uma desde que tenhamos sonhos. William Shakespeare sentencia em “The Tempest”: “We are such stuff as dreams are made on, and our little life is rounded with a sleep.” É bom que saibamos, conforme o dito shakespeariano, que somos feitos da símile matéria que faz os sonhos.


2.   “Mesmo quando você escreve sobre algo doído, você cria uma alegria estética. Você escreve para sublimar, superar, não para maltratar mais ainda.”  (Ferreira Gullar)

Adriano Nunes: escrever com arte requer um certo afastamento, uma certa possibilidade estética. O belo enquanto elemento estético é destituído de conceitos e apresenta-se como um prazer universal. Mesmo que representemos a realidade doída, nua e crua, num escrito, ela poderá ser esteticamente bela e agradável se ultrapassarmos o limite da escrita comum. Tão simples e forte parece e é dizer que se estar a sofrer, como tão belo e denso será também dizer a mesma sentença com o uso de todas as faculdades intelectuais, com todos os artifícios que a Arte proporciona, com todas as técnicas literárias que, após as vanguardas, foram postas à mão dos escritores. Immanuel Kant na “Crítica da faculdade de julgar” advertia que “o prazer provocado por um objeto, pelo qual qualificamos este de belo, não pode basear-se na representação de sua utilidade.”

3.   “Radical é um sujeito que, ao primeiro sinal de um resfriado, toma a extrema-unção”?  (Millôr Fernandes)

Adriano Nunes: a ironia alegre de Millôr nos transporta para a realidade que também há, pois, dia após dia, convivemos com o outro, que é igual e diferente ao mesmo tempo. Os seres humanos têm uma linha existencial que vai de extremo a extremo, da barbárie à razão plena. E é a razão que o faz afastar-se, cada vez mais, do extremo abjeto da barbárie. Mas essas mudanças não se efetuam ‘radicalmente’. Cada degrau da evolução racional e do progresso cultural percorrido pela humanidade deve ser alcançado um a um, sem pressa ou exageros, para que sejam bem evidenciados os erros e as falhas trilhados.  Parafraseando-o digo: radical é aquele que é capaz de rasgar um poema porque achou que uma rima era uma ameaça armada à beleza além-poema.

4.   “Não conseguirá nunca / tua lança / ferir o horizonte. / A montanha / é um escudo / que o guarda.”  (F. García Lorca)

Adriano Nunes: O inatingível sempre será alvo das lanças. E há uma miríade de horizontes protegida por montanhas. Horizontes estes que criamos, que burlamos, que engendramos nossos por uma questão freudiana de defesa, tais como o amor, a amizade, o outro, as religiões, a felicidade, o bem e o mal, quem somos. Nada deve, entretanto, escapar às flechas e às lanças da crítica e da razão. Tudo que tende a escapar da crítica deve ser tomado como suspeito e perigoso.

5.   “A poesia não pode nem deve ser um luxo para alguns iniciados: é o pão cotidiano de todos, uma aventura simples e grandiosa do espírito.”  (Murilo Mendes)

Adriano Nunes: Se o que é belo independe de conhecimento e conceito, isto é, é um juízo de gosto, um juízo estético ("sensação") cujo prazer é alheio a quaisquer interesses, ou seja, baseia-se em fundamentos a priori, reconhecendo-se como objeto de um prazer necessário, não há então como considerar belos os poemas que abdicam de sua estrutura determinados aspectos formais e traços imprescindíveis de inteligibilidade. Não há como considerar como belo um emaranhado de palavras colecionadas, como se fosse ao acaso, sem nenhuma conexão aparente, sem a mínima lógica. Ora, se a isso puder ser chamado 'poesia' então para se fazer um poema bastaria colocar num saco plástico uma miríade de palavras e sorteá-las para aleatoriamente compor um poema. O que não é verdade, saibamos. Por isso, concordo com Harold Bloom quando distingue que há poetas e versificadores. Pois se convencionou chamar de poema todo escrito em verso. Entretanto, não posso chamar, por isso e consequentemente, todo escritor de versos de poeta. E nem devo jamais dizer que haverá beleza em uma massa dismórfica de palavras, ao acaso, de um belo poema, até de poema! Não se deve considerar asneiras supostamente poéticas como algo concebido esteticamente, que possa agradar necessariamente. Sempre válido, mais uma vez, repetir o ensinamento de Coleridge: poesia - melhores palavras na melhor ordem! Aí, sim, após essas considerações estéticas, posso concordar que a Poesia, a legítima Poesia, servirá como alento e beleza a todos.

6.   “A crítica do outro começa com a crítica de si mesmo”?  (Octavio Paz)

Adriano Nunes: Octavio Paz apenas confirma o ensinamento grego do “conhece-te a ti mesmo”. O mundo depois da crítica kantiana não é mais e nem deve ser o mesmo. Tudo deve se sujeitar à crítica, inclusive e, principalmente, nós mesmos. Kant submeteu a própria crítica à crítica e alertou para a suspeição daqueles que tendem a escapar à crítica. O estudo íntimo, pessoal, crítico e interior de quem somos é que pode, a partir desse exercício, levar-nos a criticar, com responsabilidade, o outro. Só assim é que a razão impera e permite que as frestas do acesso à felicidade se abram.




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