O POETA ADRIANO NUNES ENTREVISTA O POETA LÊDO IVO
O plantão no Aeroporto Zumbi dos Palmares estava passando tranquilo. O movimento rotineiro das horas anunciava o vestígio do porvir, a aurora do dia 28 de outubro de 2011. Sim, a mesa redonda "Poesia em Movimento" na V Bienal Internacional do Livro de Alagoas traria à manhã uma dimensão quântica, mágica, um sentido além. Estariam presentes amigos, poetas e o Senhor Lêdo Ivo, o alagoano imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o poeta que muito admiro e amo, o ancião-menino de lucidez cítrica, de sorriso doce, o filho de Floriano Ivo e Eurídice Plácido que neste ano completara 87 anos no dia 18 de fevereiro, que em 13 de novembro fará 25 anos que vem ocupando a cadeira 10 da ABL. Rabisquei algumas perguntas na madrugada e esperei pelo instante de luz.
Após a mesa redonda, do qual participaram os poetas José Inácio e Ricardo Cabús, resolvi que era a hora do bote, do salto à busca poética e, sem receio, abordei o mestre que, gentilmente, concedeu-me esta entrevista (gravada) transcrita abaixo:
ADRIANO NUNES: Como e quando a Poesia entrou em sua vida?
LÊDO IVO: Ela entrou praticamente desde a infância, desde que eu comecei a existir, que eu no grupo escolar comecei a ler os primeiros poemas e lembro-me especialmente do poema "Queimada" de Castro Alves, que me impressionou muito, de modo que, como desde a adolescência eu desejava ser um poeta, a Poesia tem permanecido ao meu lado, dentro de mim a vida inteira.
ADRIANO NUNES: Que poetas influenciaram a sua obra?
LÊDO IVO: Respondo como Manuel Bandeira: As minhas influências são tantas, são mais que a areia do mar, mais que as estrelas do céu.
ADRIANO NUNES: Além dos poetas, que escritores o Senhor admira, gosta de estar perto?
LÊDO IVO: São milhares de escritores. Dada a minha idade, eu tenho mais de setenta anos de leitura, e, ao longo desses setenta anos, centenas ou milhares de escritores me têm acompanhado, de modo que eu não saberia, quer dizer, "fulanizar" as minhas admirações, de tal maneira que elas são incontáveis.
ADRIANO NUNES: O seu primeiro livro foi "As imaginações" de 1944. O que difere o Lêdo Ivo de "As imaginações" do Lêdo Ivo de "Réquiem"?
LÊDO IVO: É diferente porque um é o do começo e, o outro, quase fim, de modo que há uma distância que foi percorrida e, dentro dessa distância, o leitor terá de observar, verificar as mudanças, os câmbios, que ocorreram.
ADRIANO NUNES: No dia 13 de novembro deste ano, o Senhor fará 25 anos que foi eleito para ABL. O que é ser um imortal?
LÊDO IVO: Não é... (Sorri) Não é ser nada. Apenas o que caracteriza a Academia é o espírito de convívio que une uma determinada comunidade, quer dizer, não apenas literária, porque a Academia não é um sindicato de escritores, a Academia abriga personalidades, pessoas de várias profissões, de modo que a lição que eu recebo da Academia é uma lição de convívio, o que eu digo é que a Academia é um porto que abriga navios dos mais variados calados e é um ninho que acolhe pássaros das mais diferentes plumagens.
ADRIANO NUNES: Como anda a Poesia no Brasil e em Alagoas?
LÊDO IVO: Eu acho que anda muito bem, continua o seu caminho, que a Poesia é necessária, é indispensável, movimentos se sucedem, novos nomes surgem. de modo que o meu desejo é que, toda essa ebulição, surjam poetas diferenciados, cada um com sua voz inconfundível.
ADRIANO NUNES: Como se dá o processo de criação? As musas existem?
LÊDO IVO: O processo de criação na minha opinião é o momento... Quer dizer, o momento do surgimento do poema é o momento em que uma determinada experiência se converte em linguagem, de modo que musas aí é uma metáfora para aludir à pessoa dotada de espírito poético, da capacidade, da habilidade de fazer poemas.
ADRIANO NUNES: O que são os "tintureiros de si mesmo" ?
LÊDO IVO: (Sorriso) Isso é uma parte polêmica, são aquelas pessoas que enganam a si mesmas.
ADRIANO NUNES: O que o Senhor diria a um jovem poeta?
LÊDO IVO: Eu diria a jovem poeta que Poesia não é apenas um problema de vocação, de inclinação, que é um problema de Cultura, de aprendizagem, que o poeta deve procurar ser o protagonista mais culto da comunidade literária, que ele não dê apenas atenção à Poesia que se faz atualmente, mas a Poesia da grande tradição literária. Como diz Eliot, o poeta se faz com a tradição e o talento individual, de modo que eu desejo que um jovem poeta tenha sempre essa consciência de que ele pertence e é o elo de uma corrente memorial, que ele pertence a um sistema poético, que se iniciou com o início do mundo e que só terminará naturalmente com o fim do mundo.
"O trapiche"
Queres que guarde para ti o orvalho.
Mas como posso guardar o que se dissolve
ao sol, como o vento, o amor e a morte?
Como guardar os sonhos que sonhamos
enquanto caminhamos acordados
no escuro e sem ninguém ao nosso lado?
E os sussurros de lábios encantados
no outro lado do muro? E a relva que se alastra
na pista do aeródromo? E a mancha aparecida
na casca da manga madura?
Como guardar a brisa sibilante
no convés do navio? E o vôo do pássaro?
E a barca abandonada que atravessa o rio
e pára sob a ponte?
Como e por que guardar um arreio enferrujado
e a cinza de coivara
e a chuva que chovia e o vento que ventava?
A nada guardaremos, nós que somos
o depósito de tudo, a arca e o trapiche.
O orvalho, que é eterno, se evapora
chegada a sua hora. E nossos sonhos
nos guardam fielmente nos seus túmulos.
In: IVO, Lêdo. "Crepúsculo Civil". Página 19. Rio de Janeiro: Record,1990.