"Nossa podridão contra o outro"
Massacrados.
Todos os dias somos massacrados
Pela massa que somos,
Por sermos quem somos,
Por sermos quem não somos,
Por sonharmos, pelos sonhos.
Massacrados
Pelo escárnio de sermos o escárnio
Da intolerância, o excremento
Da indiferença
Enquanto ejaculamos, à socapa,
Nossa podridão contra o outro,
Aquele que não somos,
Aquele que nos odiamos por não o ser,
Aquele do aceno grácil e das fraquezas,
Aquele da raiva e do rancor, das regras rígidas,
Dos assombros, dos furtos de esperanças e da fome faraônica,
Massacrados
Pelos convites, dos convictos de tudo,
Para os seus séquitos de ordem e glória,
Pelos bordões anedóticos dos racismos intitucionalizados,
Pelos egos bordados a ouro e dominação,
Pelas desculpas na hora do exílio social,
Pelas panelas de aço e de hipocrisia,
Pela tosse crônica dos mais e porquês.
Massacrados por crases e gerúndios,
À revelia dos que estão engendrando
Poder, pranto e ponto eletrônico e carteiras assinadas
Pelo horror de tudo que há.
Massacrados pelo nada.
Porque é tempo de ser nada.
O nada faminto e sedento.
O nada arquitetado por métodos e melodramas,
Por astúcias e armadilhas.
Massacrados pela tirânica justiça dos que clamam
Pela balança desequlibradamente para o lado de lá.
O lado que pesa.
O lado que despreza a razão crítica.
Mas o que seria do lado de lá se não fôssemos, nós,
Esse apoteótico rebanho hightech pop midiático,
Esse estrume esdrúxulo e espúrio e purgante
A reinvidicar os restos do que não mais somos,
Do que não mais seremos,
Esse atropelo feroz de identidades mesquinhas,
Prontas para esfacelar o dia, a vez, a voz.
Massacrados pelos feitos à imagem e à semelhança
Das ilusões dos que atiram pedras das alturas.
Massacrados pelas ideologias e dogmas,
Pelas nossas escolhas, pelas nossas dúvidas,
Porque sempre houve juízos
Injustamente justos e justificáveis e acima do bem e do mal.
Massacrados pela felicidade e
Pela tela de trinta e duas polegadas de tédio e farsa,
Pelas tropas de trumps e tremendous traps,
Pelos populismos doentios e cegos,
Pelo moralismo nefasto dos moralizadores ad hoc,
Para sempre,
Sem previsão de férias.
Massacradamente humanos.