sábado, 3 de setembro de 2016

Adriano Nunes: "Medusa"

"Medusa"


Já tive muitas dores.
Quando eu era criança,
Eu não sabia o que era dor.
Apenas doía. Doía!
Abriguei várias angústias e medos.
Eu não sabia que ter medos
Era essencial para ser quem sou mesmo.
Quando eu era criança,
A vida era uma dança infinda.
Uma trama de truques e tentativas.
Não havia o mínimo, a forma, a regra.
A beleza violentamente completa.
Dizem que eu era uma menina linda,
Cabelos longos, lábios lânguidos,
Sorrisos que desafiavam o Olimpo,
Olhos penetrantes, petrificantes.
Não tenho saudades da infância
Perdida nos escombros dos sonhos.
Não tenho saudades de nada.
Vez ou outra, uma lágrima
Quer despencar dos báratros do íntimo.
Vez ou outra, grito. E tudo treme.
As serpentes servem-se do ser
Que já não sinto ser para saltarem
Da existência amalgamada.
Restam essas estátuas sem nome.
Armaduras, escudos, espadas,
Estranhos à minha procura.
Pedras. Apenas pedras. Perdas.
Sinto que o mar se agita. É a vida
Enfurecida por mais vida.
Quase manhã.
Quase me atiro desse penhasco sombrio.
As serpentes. Elas sabem
De mim, são confidentes, sempre
Prontas para a batalha.
Favônio parece vir para zombar de
Meus desenganos. Tudo arde
Para que a solidão pese e valha.
Já tive tentações diversas.
Esses arquétipos de vínculos
Que esfacelam o contato e
O flerte rápido restam.
O horror se agrega a meus nervos.
Tudo se dá como armadilha.
É quase manhã.
Ah, essas estátuas sem nome!

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