"V í T r E o" - Para Péricles Cavalcanti
C.... a.... D.... a.... U.... m
v.... I.... v.... E..... s.... O
C.... o... M....o..... P.....o
d... E.... c.... A..... d.... A
U.. m....V.... i...... V.... e
c... O... m....O..... d.... A
c... A... d.....A......u....M
S....e....V.....i.......R.....a
c... O... m...O..... d.... A
R... e... V.... i..... R..... a
s... E... c.... O.... m.... O
P... o...D.....e..... S..... o
U.. m.. C.....a.... D.... a
v.. E....r......S.... o.... B
A.. t... E......r.... R..... a
o.. C... i..... C..... l..... O
R.. e.. V......e.... L..... a
c.. A.. d..... A... u.... M
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "A palavra-pólvora" - Para Bia Dias
"A palavra-pólvora" - Para Bia Dias
Outra noite tensa.
Eu não sei se quero o dia por vir
Nem se me amalgamo no itinerário
Corrosivo do silêncio, nos vínculos
Íntimos em que estou imerso, enquanto
Tudo é incêndio, ali, naquela praça,
Naquela rua rota e iluminada,
Naquela esquina, ponto de parada
Das tímidas meninas de raríssima
Conversa cujos sonhos, dissolvidos,
Um a um, em véus, engendram a esperança
De que densa alegria surgirá,
Para a vida, as grãs sombras noturnas,
Minha expectativa,
Fragmentos do âmago
Dessa Poesia.
Outra solidão
Pensa-me. Outro livro em mim relido.
O papel em branco pesa-me. Sinto-o.
Vou à janela. Quem está por dentro?
Arrisco olhar para aquele rapaz
Do lado mais longínquo da avenida,
À procura de vestígios, de sóis
Da vontade alheia.
As cores dos riscos
Em meu caderno de anotações, signos,
Não são mais as brincadeiras de quando
Eu era garoto,
Corre-corre, esconde-
Esconde, os saltimbancos, a pelada,
Cabra-cega, bola-de-gude, pega-
Pega, pipa, pião. Rasgam-me as regras.
Íris veio antes.
O vácuo fez-me lesiva visita,
Lançou-me sobre o breu em volta, sobre
Os retornos que sempre vingarão.
Ai, coração métrico!
Ai, coração repleto de infinitos
Conceitos, teorias, ficções, formas!
Ai, tumulto ululante de ter
Consciência! Abdicar das tantas taras
Dissonantes e das provocações
Metalinguísticas, como queria!
Perder o medo de ser quem me sinto,
Libertar as laringes de grafite,
Deixar ecoar
Os desassossegos!
O tempo é outro.
Bem será das rimas
E do ricos ritmos!
Sobre o que além finca-se,
A sináptica migalha do amor.
Erato adormece.
O verso não vem.
Insisto. O verso reveste-se de
Tédio. O que convém?
O instante raro me encarcera, traga-me,
Embriaga-me, envenena-me, seca-me.
Sei que não desejo a aurora encoberta
De clichês e vestes certas. Revela-se
A palavra-pólvora
Sem que sequer dar por ela eu possa.
Eis que tudo leva.
Outra noite tensa.
Eu não sei se quero o dia por vir
Nem se me amalgamo no itinerário
Corrosivo do silêncio, nos vínculos
Íntimos em que estou imerso, enquanto
Tudo é incêndio, ali, naquela praça,
Naquela rua rota e iluminada,
Naquela esquina, ponto de parada
Das tímidas meninas de raríssima
Conversa cujos sonhos, dissolvidos,
Um a um, em véus, engendram a esperança
De que densa alegria surgirá,
Para a vida, as grãs sombras noturnas,
Minha expectativa,
Fragmentos do âmago
Dessa Poesia.
Outra solidão
Pensa-me. Outro livro em mim relido.
O papel em branco pesa-me. Sinto-o.
Vou à janela. Quem está por dentro?
Arrisco olhar para aquele rapaz
Do lado mais longínquo da avenida,
À procura de vestígios, de sóis
Da vontade alheia.
As cores dos riscos
Em meu caderno de anotações, signos,
Não são mais as brincadeiras de quando
Eu era garoto,
Corre-corre, esconde-
Esconde, os saltimbancos, a pelada,
Cabra-cega, bola-de-gude, pega-
Pega, pipa, pião. Rasgam-me as regras.
Íris veio antes.
O vácuo fez-me lesiva visita,
Lançou-me sobre o breu em volta, sobre
Os retornos que sempre vingarão.
Ai, coração métrico!
Ai, coração repleto de infinitos
Conceitos, teorias, ficções, formas!
Ai, tumulto ululante de ter
Consciência! Abdicar das tantas taras
Dissonantes e das provocações
Metalinguísticas, como queria!
Perder o medo de ser quem me sinto,
Libertar as laringes de grafite,
Deixar ecoar
Os desassossegos!
O tempo é outro.
Bem será das rimas
E do ricos ritmos!
Sobre o que além finca-se,
A sináptica migalha do amor.
Erato adormece.
O verso não vem.
Insisto. O verso reveste-se de
Tédio. O que convém?
O instante raro me encarcera, traga-me,
Embriaga-me, envenena-me, seca-me.
Sei que não desejo a aurora encoberta
De clichês e vestes certas. Revela-se
A palavra-pólvora
Sem que sequer dar por ela eu possa.
Eis que tudo leva.
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Adriano Nunes e Fred Girauta: "Acréscimo"
"Acréscimo" - Adriano Nunes e Fred Girauta
o
qu
e ac
resc
entar
ao amor
a
nã
o se
r mai
s amor
a não s
er mais
amor mor?
o
qu
e ac
resc
entar
ao amor
a
nã
o se
r mai
s amor
a não s
er mais
amor mor?
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quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "A codorna chinesa"
"A codorna chinesa"
Mamãe sabe o quanto amo a pequena codorna chinesa, mas precisara lembrar-me disso antes de viajar. Não se esqueça da gaiola! Ela deve ser posta para dentro de casa sem ser tocada pela noite, pela astúcia do gato da vizinha. Bichano era terrível. Parecia ter vinte vidas. Ou mais. Quando nascera, passara por uma prova de fogo. Não. De água. Cacilda imergira o felino numa banheira plástica. Voltemos à despedida...
Não precisei levar as malas à porta. Distraí-me e mainha transformou-se em um jato supersônico aos setenta anos, mas acenei como quem quer fundir-se ao táxi. O pensamento levou um bom tempo para regressar ao meu córtex cerebral. Era tardezinha ainda e Bichano estava ocupado, brincando de pegar algum rato, pulando do chão para o sofá, vestido num pulôver, dando saltos mortais, revirando o quintal, aprontando o sete. A pequena codorna era silêncio. Cacilda era novela.
Seis e quarenta. Rafael telefona-me e pergunta-me se eu quero dar uma voltinha de carro. Acho que devo ir mesmo. Tenho uma atração forte por ele e ele deve sentir o mesmo por mim. Sou tímido. Como faria para conquistar o âmago de outro homem? Ah, bem que Cacilda poderia ajudar-me! Tantos namoros! Tantas transas! Nunca se apegara a ninguém. Cacilda era a mão afogando os gatinhos. Não reparei direito quando Rafael chegara. Talvez, a buzina tenha-me alertado. Ou a visão que me cercara subitamente. Quem é ela? É a minha namorada, a Cacilda! Por Medeia, que tragédia! Que comédia! Que alívio! Bichano agora é o malabarista em cima do muro, não é quem me penso, é mais esperto, não sonha amor, não pensa o mundo.
O passeio fora uma delícia. Rafael alisava as pernas de Cacilda enquanto me flertava pelo retrovisor. Os beijos eram tufões e eu percebi, à socapa, um elevar-se sobre o jeans de Rafael. A excitação tomara conta de Bichano. Mirara a gaiola. Dali era um perigo. Teria que arriscar outra vida. A vigésima primeira? O muro era um mero obstáculo. Feito mágico, escalara o seu próprio sonho, o seu instinto de sobrevivência. O aço da gaiola era o Everest. Bichano tinha as garras, a vontade, sabia como ferir e feriu. A noite acabara diante da calçada de Cacilda. Rafael sorrira para mim.
Quando o Sol a pino incendiara o mundo, mamãe resolvera surgir do rascunho, do nada. Penso: Dormira bastante? Sonhara com o sexo imaginário, solitário, com a próxima vez? Rafael... Carlinhos! Carlinhos! Você esqueceu a gaiola! Você esqueceu a codorna! O gato feriu o meu bebezinho! Carlinhos! Não tive coragem de ver as penas espalhadas pela varanda. Optara por observar, de longe, atordoado, mamãe fazendo curativos na asinha do xodó do lar. Sinto: Bichano me paga! Raiva projetada? Cacilda me paga!
A aula de Direito fora um tédio. Bichano esticava-se, eriçava o pelo, andava de lá para cá, devia estar tramando a nova investida. Cacilda fingia não ter gostado do orgasmo junto ao corpo viril de Rafael. Mamãe concluía o jantar enquanto a pequena codorna dava um sinal de existência. Não sei definir se era grito ou canto. Bichano é, neste instante, o equilibrista em cima do muro. A imagem dele não me dilacera o coração. Era instinto aquilo. Era dele. O meu objetivo é outro. Sei perdoar. Rafael ligara-me há pouco. Quer ir ver o mar, apenas comigo. Bichano olha-me feroz, feito delator.
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Adriano Nunes: "Ululante alegria" - Para Nelson Ascher
"Ululante alegria" - Para Nelson Ascher
Outro instante me algema.
Ululante alegria
Ou... Que mais não seria,
Senão outro poema
A vir do esconderijo
De olvidos de silício,
Com sua tez tão bela?
Como me regozijo
Ao vê-lo todo inscrito
N'alva folha, infinito,
De luz o magno arquétipo
Que me traduz completo!
Outro instante me algema.
Ululante alegria
Ou... Que mais não seria,
Senão outro poema
A vir do esconderijo
De olvidos de silício,
Com sua tez tão bela?
Como me regozijo
Ao vê-lo todo inscrito
N'alva folha, infinito,
De luz o magno arquétipo
Que me traduz completo!
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terça-feira, 27 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Na intermitência do tédio"
"Na intermitência do tédio"
Pela janela do quarto do hotel
Consigo ver o poema
Dissecar toda a cidade.
Apago o mesmo cigarro
Na intermitência do tédio.
Quem será que tanto sabe
Para que lado seguem as minhas certezas?
Por que agora, sem voz, elas me deixam?
Retorno ao espaço-morto do papel
Em branco. Arrisco alguns versos
E não sou capaz de saber onde me encontro.
Talvez Tebas, Pasárgada, Bagdá, Macondo...
Trucido o tempo, enquanto mal me penso.
Da janela do quarto do infinito,
Pressinto a noite desfazer os meus olhos.
Ao que me proponho, como saber?
A sólida solidão
É que me remete à busca
Da palavra certa. Tudo
É monótono, tudo me embriaga e
Encarcera-me... A paisagem
De passagem sobre as entrelinhas. A vida
E a morte a brincar, de cabra-cega, lá fora.
O ventilador do teto
Continua a girar, a girar, a girar...
Tudo é substantivamente secreto.
Pela janela do quarto do hotel
Consigo ver o poema
Dissecar toda a cidade.
Apago o mesmo cigarro
Na intermitência do tédio.
Quem será que tanto sabe
Para que lado seguem as minhas certezas?
Por que agora, sem voz, elas me deixam?
Retorno ao espaço-morto do papel
Em branco. Arrisco alguns versos
E não sou capaz de saber onde me encontro.
Talvez Tebas, Pasárgada, Bagdá, Macondo...
Trucido o tempo, enquanto mal me penso.
Da janela do quarto do infinito,
Pressinto a noite desfazer os meus olhos.
Ao que me proponho, como saber?
A sólida solidão
É que me remete à busca
Da palavra certa. Tudo
É monótono, tudo me embriaga e
Encarcera-me... A paisagem
De passagem sobre as entrelinhas. A vida
E a morte a brincar, de cabra-cega, lá fora.
O ventilador do teto
Continua a girar, a girar, a girar...
Tudo é substantivamente secreto.
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Adriano Nunes: "Os grandes campos poéticos " - Para Marlos Barros
"Os grandes campos poéticos" - Para Marlos Barros
Revejo a solidão.
Nada me parece ser tão igual
Àquela lembrança vaga
De estar além de tudo quanto
Esta satisfação de fazer versos.
Talvez, eu não faça versos.
Exponho-me nu e patético?
Dou-me à razão
De estar alheio ao tempo.
E tudo passou.
Que quero de mim
Nesta cidade?
Retenho a saudade.
Tudo se parece com tudo: Qual
Janela dá acesso àquela alegria?
De lugares, de sonhos particulares,
De prantos, a Poesia está saturada.
Seria necessário expor-me
Cru e sem as tatuagens do tédio.
Dou-me em vão
Ao que vem quando me penso.
E tudo era silêncio.
Que quero desta cidade
Em mim?
Revejo a solidão.
Nada me parece ser tão igual
Àquela lembrança vaga
De estar além de tudo quanto
Esta satisfação de fazer versos.
Talvez, eu não faça versos.
Exponho-me nu e patético?
Dou-me à razão
De estar alheio ao tempo.
E tudo passou.
Que quero de mim
Nesta cidade?
Retenho a saudade.
Tudo se parece com tudo: Qual
Janela dá acesso àquela alegria?
De lugares, de sonhos particulares,
De prantos, a Poesia está saturada.
Seria necessário expor-me
Cru e sem as tatuagens do tédio.
Dou-me em vão
Ao que vem quando me penso.
E tudo era silêncio.
Que quero desta cidade
Em mim?
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Adriano Nunes e Fred Girauta: "Imagem"
"Imagem" - Fred Girauta e Adriano Nunes
eu tenho uma imagem a zerar
eu tenho uma miragem a espelhar
ou uma miragem a espalhar?
ou uma pilhagem a mirar?
milhas e milhas a viajar?
bobagem: eu tenho uma imagem
a refutar.
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domingo, 25 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Não me digam o porquê de tudo agora"
"Não me digam o porquê de tudo agora"
O Sol rasgara o dia, às pressas. Sei que Madame não quer saber de coisa alguma. A vida lhe dera o sopro do desassossego comum das senhoras solitárias, o temor de que algum espírito do passado invada a monotonia das sombras do lar e mude toda a rotina, o espanto insólito de que netos surjam, parentes de não-sei-onde apareçam, assombrações indesejadas neste momento. Há muito Madame não quer liames de convivência com o mundo. Trancada em sua casa antiga, decorada por ela mesma - Madame é arquiteta - Madame busca a inspiração para o seu livro de estreia, o seu mergulho na imensidão do cotidiano lá fora, a sua fuga do exílio, o seu desejo de existência. Há onze anos, o capítulo final parece não dar trégua. Há onze anos, as musas não lhe dão a ambrosia necessária para o desfecho sublime. Todo o seu canto é de dor e frustração.
'Então, retornando do campo, a mulher desfizera-se em pranto. O mundo não era outro.' Pronto. Madame certamente terminará o seu romance. Não esperemos por algo feliz. Madame já não tem a alegria das transas, à socapa, com os namorados da adolescência, já não se permite a crer em auroras, já não sonha com Antônio Carlos. Que houvera para que Madame se abrigasse na solidão como se ali a felicidade sempre estivesse? Não teremos a chance de ler o seu objeto precioso. Sinto que Madame é receosa demais para lançar o seu cosmo ao mundo. Será que os seus escritos são autobiográficos? E se algum crítico mesquinho e cruel desvendar o indesvendável e acrescentar os seus próprios sentimentos à obra de Madame? Ai, Madame suspira! Ela é quem se sente.
Não há o que temer. Madame é dela mesma. Procuro ver daqui do sonho algumas páginas para publicá-las, recontá-las. Madame está lendo o seu livro. A sua letra é um emaranhado de códigos. Não consigo decifrá-los. Observo algumas frases. Acho que ela disse que amava, que amou, que ama, que amará... Não sei, ao certo. Madame é perigosa, escreve para o infinito. Aproximo-me um pouco mais. Sinto a sua respiração ofegante. Ela percebe o meu espectro. Criamos um ao outro. Ela quer o quê? Que eu fique sem saber do último ato? Bum! Madame fecha o caderno de anotações. Avança ao armário de mogno. Retira uma chave do jarro chinês. O livro é a sua alma. Não me digam o porquê de tudo agora.
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Dez para dez" - Para Carmen Silvia Presotto
"Dez para Dez" - Para Carmen Silvia Presotto
Não há motivos óbvios para que Maria arrume as malas. Não há raiva ou ódio. Tudo é só uma questão peremptória de saber que a sua vida não pode ser mais aquela em que os dias são as insatisfações inacabadas, os desassossegos violentos do lar, os poemas nunca concebidos, as alegrias adiadas feitos eventos musicais cancelados na última hora. Nove e meia.
Se pudéssemos rever todos os seus atos, todas as suas falas, compreenderíamos o porquê das duas malas sobre a perigosa cama. Os sonhos tinham sido dilacerados pelos cupins da realidade. Os amores, se houve, foram a ficção noturna de que o amanhã virá e sempre virá e não mais. Ai, Maria está decidida! Todo o seu passado foi atirado aos leões do olvido. A bagagem aprisionada na memória desfez-se como o agora se desfaz diante do ônibus que ainda não chegou, mas que a levará, ao menos, para a estrada da consciência, para a vista da janela, para a paisagem que passa - cinema mudo, mesquinho, fugaz - ,para o choro irritante das crianças de colo, para o odor fétido dos vômitos e da cana-de-açúcar em chamas. Se pudéssemos, notaríamos a inexistência de esperanças.
Nove e trinta e dois. Outra hora não faria diferença noutro tempo. Outro rapaz solícito, tentando carregar o seu mundo de roupas, batons, perfumes e sapatos, não importa neste instante. Aquele lá sorri, flerta, quer mais que sorriso ou pálpebras abertas. Maria é quem se pensa. Sente. Que medo poderia alcançar o cerne de tudo que o destino lhe reservou? Acende um cigarro. Voltar atrás? Perdoar a traição? Não. Maria não foi traída. Maria tem graça, tem pernas, sabe fazer o sexo gostoso das prostitutas, sabe ser mulher entre quatro paredes e um ventilador com uma das hélices pela metade. Ela gostava de ser penetrada por trás. Ele nunca sentira isto. Ele era o álcool forte das ilusões insólitas do cotidiano, o rascunho tenso do disse-me-disse da vizinhança. E foi-se.
O ônibus acaba de repousar a sua maquinaria feia e necessária na estação. Maria olha para os lados. Nenhum sinal dele. Deuses, meus deuses! Lá vem o espectro viril, às pressas, correndo, correndo, correndo e aos gritos, a dizer que a ama! Tudo é breu. Nove e quarenta. Maria entrega a sua intimidade móvel ao cobrador e este guarda-a no subsolo metálico do século. Um degrau. Dois degraus. Três degraus... E o âmago do ônibus já a possui.
Observo-a, do terminal, fixa à janela. Deve estar meio triste. Não sei. Joguei fora o fascies da descrição mais justa. O leitor não pode vir a ser testemunha. Somos cúmplices. A gorda Francisca senta-se ao lado. Ninguém precisa saber quem é Francisca. Maria se incomoda um pouco. O motor acena movimento. Alguns garotos entram ofertando água, milho, cocada. Olha a água! É só um real, Senhora! Não há sinal de próximas paradas. O voo de Maria é íntimo. Ter esfaqueado Rodrigo tira-lhe o véu, a feição ingênua. O vermelho líquido invade a cozinha, lentamente. Nunca mais! Nunca mais! Dez para dez. As sirenes enfeitam a rua.
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quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Esta noite"
"Esta noite"
Esta noite me apavora.
Não sei se é
O silêncio saltitante lá fora.
Não sei se é só o vestígio
Do que imaginei ser e não mais volta.
Talvez, agora
A palavra-pólvora
Possa explodir, rompendo a
Página anêmica, leitosa, morta.
Esta noite, outra noite,
A mesma noite óbvia,
Sem notas
no rodapé, sem pôr
O Sonho à prova.
Esta noite me sufoca.
Atrás da porta, o infinito,
Não sei se é.
Isso que à vida importa,
Por que não me dopa?
Fogueiras, fronteiras, findáveis formas...
Aquela cratera lunar me olha.
Nesta noite,
Acerto as contas, as últimas contas
com Lorca.
Esta noite me apavora.
Não sei se é
O silêncio saltitante lá fora.
Não sei se é só o vestígio
Do que imaginei ser e não mais volta.
Talvez, agora
A palavra-pólvora
Possa explodir, rompendo a
Página anêmica, leitosa, morta.
Esta noite, outra noite,
A mesma noite óbvia,
Sem notas
no rodapé, sem pôr
O Sonho à prova.
Esta noite me sufoca.
Atrás da porta, o infinito,
Não sei se é.
Isso que à vida importa,
Por que não me dopa?
Fogueiras, fronteiras, findáveis formas...
Aquela cratera lunar me olha.
Nesta noite,
Acerto as contas, as últimas contas
com Lorca.
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Adriano Nunes: "A plataforma" - Para Paulo Sabino
"A plataforma" - Para Paulo Sabino
Do vão à vista
Aérea, a noite
Deserta pousa
Na pista aberta.
Estrelas flertam-se e
As alas abrem
Aos voos das aves
De tez metálica.
Faróis formam-se
No solo, em linha
Reta, outra trilha
Sobre a cor-pedra.
Máquinas! Máquinas!
Grãs grilos de
Aço e alumínio
Que o espaço exaltam.
Do vão à vista
Aérea, a noite
Deserta pousa
Na pista aberta.
Estrelas flertam-se e
As alas abrem
Aos voos das aves
De tez metálica.
Faróis formam-se
No solo, em linha
Reta, outra trilha
Sobre a cor-pedra.
Máquinas! Máquinas!
Grãs grilos de
Aço e alumínio
Que o espaço exaltam.
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Adriano Nunes: "Poetry" - To Péricles Cavalcanti and Lidia Chaib
"Poetry" - To Péricles Cavalcanti and Lidia Chaib
Com-
Pound
Poe-
Try:
To be
Happy
Step by
Step
B - - e -
For- e -
Th e (i) dea th
cummings
Com-
Pound
Poe-
Try:
To be
Happy
Step by
Step
B - - e -
For- e -
Th e (i) dea th
cummings
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Adriano Nunes: "Palavra" - Para Haroldo de Campos
"Palavra" - Para Haroldo de Campos
Palavra não digas
Nada
Palavra não vazes
Vaga
Palavra vê se
Paras
De vez essa lábia
Falha.
Palavra vê se
Saltas
Da folha, se tragas
Alma -
Metáfora: basta a
Farsa?
Palavra não vires
Mágica...
Palavra te faz
Farpa,
Fábula, faísca,
Falta
Palavra não te
Partas
Porto ponte praça
Fala.
Palavra não digas
Nada
Palavra não vazes
Vaga
Palavra vê se
Paras
De vez essa lábia
Falha.
Palavra vê se
Saltas
Da folha, se tragas
Alma -
Metáfora: basta a
Farsa?
Palavra não vires
Mágica...
Palavra te faz
Farpa,
Fábula, faísca,
Falta
Palavra não te
Partas
Porto ponte praça
Fala.
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sábado, 17 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Trampolim" - Para Leo Cavalcanti
"Trampolim" - Para Leo Cavalcanti
Deixemos a vida vagar
Pelas calçadas,
Pelas ruas cheias de cárie,
Pelas estradas que irão
Dar naquele lugar estranho,
Onde o horizonte se encaixa
Cegamente na visão. Vençamos
A quimera mágica,
Larguemos tudo, verdades,
Vestígios do que nos pensamos,
Promessas de mar...
Alguém algum dia dirá
Que havia alegria no âmago
Da paisagem.
Agora precisamos saltar,
Do trampolim, devagar,
Engendrar o quanto
Da ilusão, o tempo, o vasto
Silêncio do contato: O mar
Aberto, o coração.
Nada, nenhuma ressalva
Nos salva
desse afogamento. Claro,
Deixemos ao tubarão
A carcaça óbvia, muscular,
O fio da farsa, a fábula...
E voltemos, aos pedaços,
Ao lar.
Deixemos a vida vagar
Pelas calçadas,
Pelas ruas cheias de cárie,
Pelas estradas que irão
Dar naquele lugar estranho,
Onde o horizonte se encaixa
Cegamente na visão. Vençamos
A quimera mágica,
Larguemos tudo, verdades,
Vestígios do que nos pensamos,
Promessas de mar...
Alguém algum dia dirá
Que havia alegria no âmago
Da paisagem.
Agora precisamos saltar,
Do trampolim, devagar,
Engendrar o quanto
Da ilusão, o tempo, o vasto
Silêncio do contato: O mar
Aberto, o coração.
Nada, nenhuma ressalva
Nos salva
desse afogamento. Claro,
Deixemos ao tubarão
A carcaça óbvia, muscular,
O fio da farsa, a fábula...
E voltemos, aos pedaços,
Ao lar.
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quinta-feira, 15 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Até certa manhã"
"Até certa manhã"
O amor? Achava-o
Todo esquisito,
Quase impossível,
Indecifrável
Proteu, até
Certa manhã.
Depois, tudo
Verso seria.
Ante o infinito,
Hoje, brincamos
De amalgamar
O que não é
Para ser dito,
Seguimos sós,
E, sobre nós,
Repousa o mito.
O amor? Achava-o
Todo esquisito,
Quase impossível,
Indecifrável
Proteu, até
Certa manhã.
Depois, tudo
Verso seria.
Ante o infinito,
Hoje, brincamos
De amalgamar
O que não é
Para ser dito,
Seguimos sós,
E, sobre nós,
Repousa o mito.
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Adriano Nunes: "Silêncio de grafite"
"Silêncio de grafite"
Hoje o poema está
Com a agenda lotada.
Sem o mínimo tempo
Para louvar a flor
De lótus, ou sequer
Para metrificar
Logos e logaritmos.
Agora o poema dá-se
Contido, para papo
Nem para bico está,
Não arrisca perder
O raro rito, todo o
Silêncio de grafite.
Acredite: o poema
Apenas em si vive.
Hoje o poema está
Com a agenda lotada.
Sem o mínimo tempo
Para louvar a flor
De lótus, ou sequer
Para metrificar
Logos e logaritmos.
Agora o poema dá-se
Contido, para papo
Nem para bico está,
Não arrisca perder
O raro rito, todo o
Silêncio de grafite.
Acredite: o poema
Apenas em si vive.
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Caos" - Para Gal Oppido
"Caos"
o céu alcança o chão através da contemplação
o ar em volta tem outra direção
a vida se enterra...
feixe fluxo força fórceps forma fera
a voz revolve tudo que não era
salvação
a fala acima é a tez do trovão
o encéfalo distingue o sim e o não
a adaga agora a vagina afaga
a cruz é feita tal penetração
o caos: as coisas que só são!
o chão se abre larva chama faísca fogo chama-
se vulcão
o céu caindo é pedido perdido no coração
a cruz se fixa numa ereção
o ar em volta tem outra dimensão
a vida se arrasta lesma caramujo verme, erra
em vão
a voz revolta altera a tela a trama a trans-
ação: tudo é mesmo deliciosa perdição!
o falo ainda é a foz da criação
o encéfalo restringe o sim e o não
as duras dúvidas que farão?
agora a adaga a vulva vara
a cruz é obtida numa sobreposição
o caos: as coisas que nem são.
o chão tem lacre fome infinita duração
o céu caindo é visto vertido em tentação
a cruz se finca numa ilusão
o céu alcança o chão através da copulação
Poema feito a pedido do artista plástico Gal Oppido.
*Imagem: Gal Oppido.
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Dizer ao amor a falta"
"Dizer ao amor a falta"
Era sempre necessário
Falar para o amor a falta
Que tivera feito, (mágica
Só?) no verso, aqui: metáfora.
Era entregar-se ao arbitrário
Por dizer ao amor: mais nada
Restará das vis trapaças,
Das tramas, em vossa casa?
Além da amaurose, vasta
Surdez... Era inevitável
Lançar leis ao peito, para
Gerar sentido, contato.
Era sempre necessário
Falar para o amor a falta
Que tivera feito, (mágica
Só?) no verso, aqui: metáfora.
Era entregar-se ao arbitrário
Por dizer ao amor: mais nada
Restará das vis trapaças,
Das tramas, em vossa casa?
Além da amaurose, vasta
Surdez... Era inevitável
Lançar leis ao peito, para
Gerar sentido, contato.
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Adriano Nunes: "vertigem"
............................................."vertigem"
..............................................o....... v o o
................................................d o
........................................................v e r
...........................................s o...........r e p
.....................................o u s o
..........................................................r a p... t o
..........................................................r e p
..................................................e n
..............................................( t i n o ?)
....................................................n a p á g i n a.
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segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "Canção Mínima" - Para Péricles Cavalcanti
"Canção Mínima" - Para Péricles Cavalcanti
vem ó voz
diz desdiz
és feliz?
és feroz?
volta ó voz
quem te fez
desta vez
fonte foz?
vibra ó voz
por um triz
trama e tez
vinga ó voz
diz desdiz
outra vez.
vem ó voz
diz desdiz
és feliz?
és feroz?
volta ó voz
quem te fez
desta vez
fonte foz?
vibra ó voz
por um triz
trama e tez
vinga ó voz
diz desdiz
outra vez.
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sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Adriano Nunes: "BOCAGE AO FIM"
"BOCAGE AO FIM"
-ALMA
-ove -aro -ermo
-enso -aio -ece
-ares -eias -eio
-iso -inha -aças
-ença -ensa -ando
-assos -itos -aços
-usta -ana -orte
-ava -anos -oube
-ados -ero -osos
-ira -ano -undo
-ama -ento -ulta
-ina -ores -uto
-iva -oza -eça
-ia -iste -ecem
-enas -onho -echa
-eixa -agem -enta
-ajem -eras -ende
-adas -inos -eres
-anto -eja -oso
-umes -ade -osas
-ena -una -ora
-eia -ada -ido
-ela -eno -iro
-ino -uro -igo
-elo -eito -ossas
-ite -oma -oiro
-oiros ante -osto
-alam -evos -ua
-oras -erna -ume
-ofre --ente -ude
-ARTE
**Quando Bocage encontrava-se doente, perto da morte, ele escreveu muitos sonetos. Recentemente, estudei toda a sua obra e verifiquei que em seus últimos sonetos as rimas finais eram as que lhes apresento aqui em um poema que fiz. Espero que meu poema (deu um trabalho imenso!) traga-lhes luz! Coincidentemente, as terminações -ARTE e -ALMA eram rimas em finais de versos!
-ALMA
-ove -aro -ermo
-enso -aio -ece
-ares -eias -eio
-iso -inha -aças
-ença -ensa -ando
-assos -itos -aços
-usta -ana -orte
-ava -anos -oube
-ados -ero -osos
-ira -ano -undo
-ama -ento -ulta
-ina -ores -uto
-iva -oza -eça
-ia -iste -ecem
-enas -onho -echa
-eixa -agem -enta
-ajem -eras -ende
-adas -inos -eres
-anto -eja -oso
-umes -ade -osas
-ena -una -ora
-eia -ada -ido
-ela -eno -iro
-ino -uro -igo
-elo -eito -ossas
-ite -oma -oiro
-oiros ante -osto
-alam -evos -ua
-oras -erna -ume
-ofre --ente -ude
-ARTE
**Quando Bocage encontrava-se doente, perto da morte, ele escreveu muitos sonetos. Recentemente, estudei toda a sua obra e verifiquei que em seus últimos sonetos as rimas finais eram as que lhes apresento aqui em um poema que fiz. Espero que meu poema (deu um trabalho imenso!) traga-lhes luz! Coincidentemente, as terminações -ARTE e -ALMA eram rimas em finais de versos!
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