domingo, 8 de novembro de 2020

Adriano Nunes: "Ars poetica"

 "Ars poetica"


Ele não responde.
A vida não responde.
Tento outra vez.
Nada. Só o silêncio das sinapses
A pensar o silêncio das sinapses.
Os deuses, ocupados em serem deuses,
Não respondem.
Abro uma gaveta. As chaves
Para alguma álacre alegoria, quem saberá
Onde as pus? Não sei. Talvez, nunca saiba.
Percorro, aflito, o corredor que me leva
Às frestas da janela mais próxima.
O ar torna-se fresco e suave.
Favônio? Ou o bater das pequeninas asas
Das sandálias de Hermes?
Olho para a rua. Para o devir da rua.
Quero ser o êxtase em existir que ferve ali.
Procuro por Dionísio.
Onde está aquela bárbara bacante?
Ela não responde.
O tempo não diz nada.
Olho para além-rua, para dentro em mim,
Para ti, que engendro em meu olhar,
Palavra alada, palavra sem pouso.
Vou perguntar-lhes de novo:
Como ser só um outro?
Como dizer de mim, sem ferir o que canta,
Nesta hora, o meu coração?
Debaixo da cama! Sim, deve estar lá
A esperança amedrontada.
Ou o que possa restar dela.
Debaixo da cama tem-se escondido a existência!
Mas... O que importa, o que ainda importa?
De sua laringe,
Não espero respostas
Nem enigmas que me devorem agora,
Por ser quem mais me penso.
Insisto um pouco mais, com certa astúcia:
Volto ao quarto.
Pego algumas folhas em branco.
O lápis faz uns giros semânticos...
Brotam do desespero tático sons e signos.
Mares de imagens.
Ah, com que código arrancar-lhes a língua,
Como ser Eco sem remorsos?
Dize-me, ó Instante!
Basta escrever-me em teu ser?
E, entre recusas e folhas amassadas,
Entre rimas e ritmos arremessados ao longe,
Como se pedissem socorro para um nome,
Entre rabiscos, rasuras e tentativas nulas,
Eis que a Poesia, sem pressa,
Como se somente restasse esta voz perplexa,
Por ele, por ela, pela vida, pelos deuses, pelo tempo,
Responde:
"Ah, quanto te amo, poeta!"

Adriano Nunes

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