"A velha" - para a minha mãe
A velha levanta cedo
Como se já nenhum medo
Tivesse da astuta morte.
Sempre lhe se faz mais forte.
Às vezes, cansada, vem
À porta ver se ninguém
Espera o seu sol lá fora.
E o que se foi rememora.
O imaginar lento, leve,
Persegue a vida, não deve
Explicações às pessoas.
As ilusões soam boas.
Também não para. Sente
Que o porvir ser pode ausente
A qualquer momento. Poda
A ambiguidade da moda,
À rotina do lar cede.
Cose, cozinha, pede
Que rezem, cuidem-se, a todos,
Com os seus típicos modos.
Outras vezes, bem se atreve
A duvidar que até breve
Seja o existir. Dá-se logo
A pôr comida no fogo,
Brincar com netos, tecer
Mil planos para aquecer
O cerne de cada hora,
Sem receios, sem demora.
Deixa a torneira escorrendo,
Acesa a luz, como adendo.
Nas pernas pomadas põe.
Nunca as dores mais expõe.
Cantar ama. Bulas lê,
Vê novelas na tevê
Da sala, não se acomoda.
Tédio jamais a incomoda.
Ri como quem sabe além
Das coisas que são, mas sem
Outra intenção. Tão disposta
A tudo, no amor aposta.
Adriano Nunes
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