quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Adriano Nunes: “Προμηθεύς” - para Gal Oppido

“Προμηθεύς” - para Gal Oppido


Aqui, estou para a contemplação
De todos. As inquebráveis correntes
Ferem menos que a arrogância exalada
De ti, ser altíssimo e insaciável!
A força bruta das tuas palavras!
Nunca é tarde para a tua vontade
De poder, para as astúcias estúpidas.
A pedra não me dilacera mais
Que o teu gesto calculado, divino,
De fazer com que o momento aconteça
Sob tua ordem, sob os teus desígnios.
Não morrerei, inda que as minhas vísceras
Sejam devoradas por ágil águia.
O que ganharás com isto senão
A prova de que não tens coração?
Não dirão de ti que és um tirano?
Não terão pena de ti, por usares
De toda a tua vil totipotência
Contra os que são os meros semelhantes?
Rirão de ti, certamente!
Por causa do fogo, a ira infinita
Contra a minha, a nossa gente?
Por que amei as minhas criaturas,
Bom fui para elas? Não as aturas
Da tua altura etérea, inalcançável?
Rirão de ti, de teu silêncio abjeto!
Acusar-te-ão de ser só um deus,
De dirigir todos os nossos passos!
Sofrimento mor do que o meu terás!
Incomodou-te o arbítrio que lhes dei?
Irritaste-te com os tais matizes
De liberdade, com as cores novas
Com que lhes recolori a existência?
Oh, Cronida corroído por seres
O carrasco de cada pensamento,
De cada impulso, da grã sensação!
Não há manhãs ou noites para mim!
Não vibram alegrias ou tristezas!
Há o ato e a memória desse ato
Rebelde, a ação contra a autoridade
Absoluta! Ah, imposição de culpas!
Nada há que não seja voraz vácuo!
Vingam o desafiar de infinitos
E um outro mistério a tecer acasos
Independentes de ti!
Desespero não me afeta, percebe!
Sou tão imortal quanto, mas mais leve!
Não preciso carregar o destino
De tudo nas minhas costas!
Não preciso sentar-me em trono olímpico,
Para instaurar instintos de potência!
Vê, eles são muitos e diferentes!
Já não se perpetuarão escravos
Dos teus caprichos titânicos!
Sim, volto a alertar-te: até esta pedra
Rirá de tua etérea covardia!
Confessa-te logo: sentes inveja
Daquela estirpe mortal?
Estou preso a eles, sei.
Mas, eles são humanamente livres!
Que raiva deves ter da liberdade
Alheia! Não te sentes livre, Zeus?
Que ódio deves ter do amor mundano!
Com que horror e temor teces a teia
Do que não mais pode ser como antes?
Não te ofendes enxergar, neste instante,
Tal ave faminta incapaz de fim
Pôr a uma simples e única víscera?
Não te sufocas saber-te violência
Contra o teu ser, enquanto me violentas?
Oh, duro castigo que impões a ti!
Oh, não vês que, ao castigares-me, apenas
Aplicas-te a pena cruel sem fim?
Chega! Aqui, entre rochedos,
Ave rapina e correntes,
Eu não quero mais pensar o que sentes!
Contempla, se possível, este mundo
Em que já não podes ser o juiz
E o acusador! O Assassino!
Contempla a tua excelsa podridão
Ante o fato inafastável
Das coisas apenas serem
Como são! O que mais são!
Pois eles já sabem dizer-te “não”!

Adriano Nunes

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