quarta-feira, 4 de julho de 2018

Adriano Nunes: "Do que se engendrou em tudo isso"

"Do que se engendrou em tudo isso"


Depois que tudo puder ser sentido,
Digerido, carcomido, absorvido, um misto
Virar, um corpo homogêneo nítido, digo,
Depois de poder ser  visto, querido,
Comentado, revisto, discutido, tido preciso,
Depois de ser tomado como bonito,
Moderno, harmônico, perfeito, vivo,
Depois de mostrar-se erguido
Do nada, de cada gesto, palavra, som, signo,
Depois de vingar formidável e infinito, 
Depois de dar-se intacto e indestrutível, 
De ser aclamado, louvado, aplaudido,
Depois de tornar-se verdade e rito,
Depois de ser direito, moral, vínculo, mito,
Depois de forjar o existir mais explícito, 
Depois de ser uno, múltiplos, íntimo 
Do que se pode dizer desde que houve início, 
Depois de fincar-se qual imponente edifício, 
Depois de ser planta, pedra e bicho,
Depois de muito e mais, quando indiscutível,
Chegar ao seu ponto máximo, no pico,
Quando o pensar estiver pôr um triz, no mínimo, 
Depois de sequer mesmo ter havido,
Quando estivermos convencidos,
Patéticos, prostrados, com precários risos,
A festejar o que não temos sido
E o que temos, sem dar conta do risco, do abismo
Do que se engendrou em tudo isso, 

O horror vem.

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