terça-feira, 11 de julho de 2017

Adriano Nunes: "Há os olhos para depois"

"Há os olhos para depois"


Noite. Algum corpo finca-se
No horizonte das vontades.
Há os olhos para depois.
Há os lábios para o liame mais íntimo.
E esse espaço recoberto de silêncios
E sonhos de inexistências.
Tudo esfacelado? Tudo jorrando
Pela solidão de tudo enquanto tudo.
Vez ou outra, os ruídos da rua rasgam a vida.
Vez ou outra, o pensar se desprende
Do que parece ser acaso.
Aquela notícia no jornal de ontem.
Aquele homem já sem vida.
Aquela oferta com mercadoria vencida.
Tudo dói ainda. Porque não
Importa ter mais olhos para lágrimas,
E para apertos e angústias múltiplas
Ter coração.
Cadê o moço de frete que já não passa,
Por aqui, com sorrisos de delícias e desventuras?
Cadê a vendedora de milho cozido?
Tudo foi excluído pela noite.
Já não há as portas abertas, as vizinhas
A domar o mundo com as orelhas e as línguas.
Já não se veem as peripécias dos moleques,
Os passeios trôpegos das velhas.
Ó, noite, por que me dás a quântica tristeza,
Para que não findes despercebida?
Tudo que corrói e dilacera.
A ferida aberta. O calor. A meta.
Há os olhos de nós dois...
Este êxtase de amalgamar tudo que se foi
Com a ideia de retorno, de reinício.
A vaidade e o vínculo e o vício.

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