terça-feira, 28 de março de 2017

Adriano Nunes: "Medusa"

"Medusa"


Espera Medusa
O frio da lâmina.
Espera entre pedras e pragas e prantos.
Por que a beleza incomoda tanto?
As paredes da gruta parecem saber
Do destino da mortal górgona.
Por isso ressoam o grito pavoroso
Do infinito. Tudo é tão pouco!
Riem as cranianas serpes.
Agitam-se. O absurdo cede
À tentativa de haver um porvir.
Espera Medusa o corte certeiro, profundo.
A humana ira.
Sempre rolaram as cabeças.
Sempre as cabeças.
Tudo se aninhava nas cabeças
Que rolavam, sob aplausos e
Implacáveis ímpetos de desprezo e dor.
O corte fundo no pensar?
O instante de fuga.
Ó corte rápido que já não há
Para se pensar!
Ó revolto mar
Que, à socapa, a alegria
Anuncia, que afoga o afago dos acasos!
Sempre o corte súbito e a
Sangria. O exato jorro das ilusões
Esnobes e entorpecentes.
Espera Medusa por Favônio.
A dizer, nada? O que ofertam as Parcas
A esta altura?
O que dizem os remorsos dos homens?
O que proclamam as suas culpas múltiplas?
Ah, quimeras quânticas!
Ah, esboço de devir e devaneio!
Perseu? Onde estás? Quem és agora?
Ah, esse cheiro mesmo
De horror e louros e glórias!
Erguerás outro mundo?
Por que não te encaras, a frio, pedra
Ante pedra, como dupla ameaça?
Por que me caças?
Um último flerte imerge no escudo,
No vácuo do mundo.
Ah, proeza traiçoeiramente humana!
Ah, pragmática astúcia que dos heróis
Violentamente emana!
Para que romper o elo de tudo que ainda dói?

Um comentário:

Zélia Guardiano disse...

Lindo demais! Virei sempre... Abraço.