segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Adriano Nunes: "As tripas de Argeon"

"As tripas de Argeon"


Não pode Argeon correr mais,
Com as próprias tripas nas mãos.
Sangue e fezes, fezes e sangue,
A vida posta à vista, atada
À exigência do tudo ou nada.
Não pode Argeon gritar mais.
Não há ar nas cordas vocais.
O mundo por fazer deixado
De lado, entregue aos deuses sádicos.
O suor fede, fede o hálito
Das esperanças arruinadas,
As quimeras sem voz, sem asas,
Tudo intestinamente vago,
Tudo excerto de ação e falha,
Tudo tralha velha e descaso.
Insiste em correr, mesmo em vão,
Argeon. É o tudo que o caça!
É a senhora na janela, estática,
É a criança anêmica, frágil,
É o desejo de todos, claro,
E a inveja - o espetáculo da
Violência, da crença na espada
Esperta, na afiada lâmina.
Argeon corre! Corre rápido!
Esquece as tripas! Toda Esparta!
Atira-te à saída, ao mar!
Esquece a Grécia, as grãs estátuas,
As Parcas repletas de mágoas,
De Zeus as estripulias práticas!
Corre, Argeon! Vê se te salvas!
Vê se podes salvar a carne
Do absurdo, os ossos da palavra,
A pele dos sentidos, dos lapsos!
Segura bem essas entranhas,
Essas tripas sem dono, vai
Aonde puderes, do cais
Da alegria além dos recantos
Intactos do ser à virada
Página do que queres tanto!
Eles querem-te nu, na praça,
Exposto, pra hienas e aves.
Porque querem-te eles sabem.
Foge, corre - cadê as armas?
As tripas jogarás na face
De todos? És tolo! Sim, parte!
Corre, são lobos que virão
De teus planos e sóis atrás!
Argeon, corre! Firme amarra
Essas vísceras podres já!
À existência algum troco dá!
Vê se ainda de ti escapas!


Adriano Nunes

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