"Os pedaços de Krazaviev"
Não se espantem.
Não se entreguem ao terror
Com a facilidade costumeira.
Já estão expostos na praça principal
Os pedaços de Krazaviev. Todos,
Sem exceção. Das unhas arrancadas
À voz que da laringe ainda salta.
Os olhos que se assombraram
A ver Medusa, ah, os olhos
Que primeiro roçaram os dias anêmicos
Das emboscadas dos desejos!
A boca dilacerada expondo a língua
Que beijara os pés de Circe mil vezes,
Acreditem, os pés das ilusões mínimas.
As tripas, os nervos, as vergonhas,
O pau ainda ereto, o gozo etéreo e enfadonho,
As córneas, as cores da lógica do amor,
O fígado, o pâncreas, os rins.
Tudo à mostra. Tudo fragmentado.
Tudo sendo Krazaviev.
A vida enquanto vida, a mais leve.
Os cabelos quase amarras, fétidos,
Os dentes cariados, os lábios
Que eram das quânticas quimeras.
Tudo na praça, tudo para todos.
Krazaviev em pedaços, servido
Outra vez, em sua morte cíclica,
Repetida, nefasta, a rir da praça,
A rir da morte. Ah, os pedaços sujos
Do quase corpo, do quase átimo!
Os pés gigantes, as mãos polidáctilas,
O inferno impresso no umbigo,
A bexiga repleta de incertezas,
O reto violentamente usurpado,
Violentamente mistério.
Corram! Corram! Eis os pedaços
Da ignorância de Krazaviev!
Eis as fatias do dorso da angústia
De Krazaviev! As retinas residuais
Da perspicácia sub-reptícia dos sonhos.
Ah, a carne sem carne de Krazaviev!
Ah, as fezes grudadas à pele
Das insônias rebeldes!
Ah, como prometem dar a
Krazaviev uma nova vida, atando
Pedaço a pedaço, remendo
A remendo, um novo ser para
Alegria de todos, das hienas, das aves de rapina.
Ah, eis o coração de Krazaviev
Cravado na estaca do entendimento!
Ah, o cérebro lambuzado das farpas do tédio.
Krazaviev tão mais inteiro a seguir,
Passo a passo, por aí.
Ah, nós os carrascos de Krazaviev!
Ah, como continuamos mesquinhos e perversos!