ENTREVISTA CONCEDIDA A DR. JOSÉ MARIANO FILHO, DO BLOG POEIRA DE SEBO.
Adriano Nunes é o poeta-dínamo da blogosfera. Através da sua arcádia eletrônica, “quefaçocomoquenãofaço”, presenteia-nos com uma produção poética imensa, em qualidade e quantidade, ecoando seus preciosos timbres, em alucinante obra em progresso. Influenciado na primeira infância pelas letras das canções, experimentou seu verdadeiro ritual de passagem para a Poesia através da obra de Fernando Pessoa, mestre maior que o inspirou também a conceber uma outra persona poética: o heterônimo feminino Cecile Petrovisk do blog “Poesia Nômade”.
Exímio artesão do verso, Adriano incorpora influências múltiplas ao seu canto – dos simbolistas aos concretos – caracterizado por técnica apurada, condensação e incomum sensibilidade, que marcam profundamente o leitor, sem a aridez e o hermetismo característicos de grande parte da produção poética contemporânea.
1) Com que idade você escreveu os primeiros poemas, e qual foi o impacto da experiência poética durante sua infância?
Quando criança, a música foi o meu primeiro contato com a Poesia. Não me lembro de ter estudado algum poeta na infância. Para mim, Poesia/Poema eram as letras das canções. Então, os meus poetas eram músicos. Comecei a escrever poemas, possivelmente, aos cinco ou seis anos de idade, quando ainda morava em uma cidade do sertão alagoano chamada Pão de Açúcar. Eram versos simples, rimados, sem nenhuma pretensão artística. Não entendia como aquilo surgia em minha mente e porque queria estar no papel. Talvez, fosse como se encenasse um teatro, essa brincadeira de inventar personagens, de criar situações, de compor certas canções ao acaso, muito comum nessa idade.
A mudança da cidadezinha para a Capital, quando eu tinha uns oito ou nove anos, trouxe nova luz para a minha vida. Morávamos em uma casa alugada, próxima ao SESC onde havia uma biblioteca. O primeiro poeta que entrou em meu mundo, em minha infância/pré-adolescência foi Fernando Pessoa. A paixão por tudo aquilo que eu li/memorizei dele viria a se confirmar depois com o porvir. Não entendia como alguém tinha sido capaz de escrever aquilo, como se desdobrava em outras pessoas. A minha primeira decepção com a Poesia também viria nesse período: Fernando Pessoa tinha apenas conseguido um mero segundo lugar com o seu poema Mensagem em um concurso, o que, para mim, era inadmissível. Além disso, uma frase de Tabacaria me roía o coração, aquela em que ele fala existirem muitos gênios no mundo e , talvez, nenhum o tempo marcará. Como me doía isto! Como penetrava fundo em meu egocentrismo e machucava-me!
Nova mudança de lar. O aluguel da casa agora era um estorvo. Como meus pais, à época, estavam sem condições financeiras para custear estudos, aluguel e tudo o mais, decidiram transformar o nosso lar em uma pensão familiar, assim pagariam as despesas da casa e nada nos faltaria. Na pensão, vim a conhecer o poeta alagoano Jurandir Mamede, um poeta revolucionário moldado de acordo com a ideologia cubana e soviética. Foi a ele que mostrei, pela primeira vez, o que eu escrevia... E não sei dizer o porquê, mas ele gostou do que leu.
Com a amizade de Jurandir, veio a avassaladora atração pela Poesia, por tudo que ela representava. Acompanhei-o em quase todos os eventos dos quais ele participava e terminei por conhecer e conviver com os poetas alagoanos dessa época, principalmente, os mais rebeldes, os boêmios. Ia inclusive a programas de rádio recitar poemas, meus, de Pessoa, dos poetas russos, dos loucos alagoanos, enfim, o programa O Brilho da Cidade, da Rádio Gazeta de Alagoas, rendeu-se ao encanto de uma criança com apenas dez anos de idade. Fui ao lançamento do primeiro livro de Jurandir, o "O Ocaso Não É Por Acaso" e lá também recitei poemas. Estava ficando cada vez mais ligado à Poesia.
2) Quais os poetas que fazem parte do seu cânone, e que qualidade particular de cada um deles o influenciou mais?
Depois de conviver com os poetas alagoanos aos 10 anos de idade, vi nascer em mim um grande amor pela poesia. Pessoa já era o maior para mim, mas eu também só conhecia praticamente Pessoa e os poetas alagoanos contemporâneos e os russos revolucionários.
Quando comecei a cursar o curso de Química Industrial (segundo grau) na ETFAL, tive uma professora de Português chamada Alice Marques de Freitas cujos dois filhos eram médicos. Nessa fase da minha vida, escrevi poemas todos os dias. O poema "Vernáculo", já postado em meu blog, pertence a essa fase que correponde a 1989/1990. Quando recitei tal poema, Alice disse assim: "Estamos diante de um gênio!" "Você precisa entender o que é ser gênio" "Você não pode se perder!". Aos 15/16 anos, passei no Vestibular da UFAL, para o curso de Engenharia Química. Uma façanha! Nem tinha terminado o segundo grau e minha colocação era ótima. Alice mais uma vez me orientou: "você tem que fazer Medicina" " você quer ser peão a vida toda?". Quando cursava o 3 ano de Química, passei no Vestibular da UFAL em 2 lugar e primeiro entre todos os alagoanos, aos 17 anos. Nasce o Concretismo em minha vida.
Arnaldo Antunes me levou a conhecer os concretistas. e a amá-los. Fase de grande admiração por Caetano, os Titãs, Péricles Cavalcanti e Adriana Calcanhotto. Antonio Cicero ainda não tinha entrado em minha vida, via o nome dele nos encartes dos discos, mas não sabia quem era e o que era. Devorei, nos primeiros anos de Medicina, toda a poesia de Pessoa e dos concretistas. Sabia de cor as "músicas concretas".
Ainda não tinha dinheiro para ter livros e a biblioteca da UFAL era o meu baú secreto de tesouros, nas horas vagas. Conheci, a partir desse momento, Manuel Bandeira (passaria a ser o meu poeta preferido depois de Pessoa), Drummond, João Cabral, Mário Quintana e os simbolistas. Augusto dos Anjos me atormentava e eu gostava e ainda gosto muito da sua poesia.
Na metade do curso, os tempos eram outros (financeiramente e literariamente): já falava e escrevia em inglês. Passei a ler então os poetas ingleses: Keats, Yeats, Shakespeare e o maior de todos, para mim: Walt Whitman! Shakespeare e Whitman influenciaram Pessoa muito e eu tinha como obrigação lê-los, entendê-los e amá-los, pois amava Pessoa. Aí, aconteceu outro drama-cômico: comecei a gostar desesperadamente de ler prosa (não citarei os autores porque foram e são muitos... E aqui o que mais me interessa é mesmo a Poesia). Shakespeare ocuparia, em prosa, a partir daí, o lugar que Pessoa ocupa na poesia.
Os poetas franceses também me influenciaram muito: Baudelaire, Verlaine e Arthur Rimbaud. Praticamente, não li poesia alemã. Só alguns filósofos, entre eles Nietzsche e Schopenhauer. Identifico-me com eles. Nunca li Kant. Nunca li Hegel. E tenho livros de ambos. A Filosofia veio a fincar-se mais forte em mim através de Aetano Lima, grande amigo, e depois de frequentar, assiduamente, o Blog Acontecimentos, do Antonio Cicero.
Antonio Cicero faz parte do fim do meu curso e da minha ida a São Paulo para fazer a residência médica. Guardar, o seu livro, foi o primeiro contato, a primeira admiração... (Seria hoje, para mim e por mim, impossível tecer qualquer discussão filosófica ou poética sem citá-lo!). Amo-o, como amo Pessoa.
Como cada um me influenciou, não sei ao certo dizer; são vários os motivos: a vida deles, a temática dos seus poemas, as estruturas poéticas, a técnica, enfim, uma impossibilidade infinita de considerações.
3) Quanto aos poetas mais novos, quais são agraciados com sua leitura? Há algum que você inclua na classificação poundiana de inventor?
Leio Eucanaã Ferraz, Arnaldo Antunes, Nelson Ascher, entre outros, e muitos poetas da Blogosfera. Aprendo com todos!
Sim, Arnaldo Antunes.
Não poderia deixar de explicitar que sempre leio Waly Salomão, Augusto de Campos, Ferreira Gullar e Augusto dos Anjos, mais que atuais e novos.
4) Qual é a hierarquia da inspiração e da técnica no seu processo criativo? É possível um equilíbrio entre essas instâncias ou o poema para ser finalizado sempre estará à mercê da tirania de uma delas?
Não me prendo à regra nenhuma e a nenhum processo de criação. Se quero fazer um poema concreto, faço-o. Se penso em um soneto, construo-o. Uso as técnicas todas porque todas me são acessíveis. A mágica é não pertencer a tempo algum e ser, ao mesmo tempo, clássico, rebelde e experimentalista. Gosto do visual e do impacto que uma palavra é capaz de causar em um poema, por isso aprecio os ritmos, a métrica, os sentidos e estudo como poderia tornar (o poema) cada vez melhor, apesar da minha ansiedade de expô-lo urgentemente ao público.
5) Qual é a sua visão em relação a textos de prosa poética, como em Lautréamont e Gerard de Nerval?
Conheço pouco de ambos. De Lautréamond, li alguns fragmentos de "Les chants de Maldoror"; de Gerard de Nerval, li "Les filles du feu". Gosto dos textos de prosa poética. Adoro o Livro do Dessassossego, de Pessoa, por exemplo.
6) O memorialista e poeta bissexto Pedro Nava dizia ironicamente que a Medicina era sua mulher e a Literatura sua amante. No seu caso, como fica o seu afeto diante das atividades poética e médica?
Essa é uma questão muito dolorosa para mim: amo as duas intensamente! Seria incapaz de separar-me da Poesia ou da Medicina. Ou dar valor maior a uma ou a outra.
8) A sua poesia, além de bela, é notoriamente angustiada. O processo de criação é um bálsamo para você ou é bico de águia no fígado?
Todos os meus poemas vêm da dor. Que dor é essa, não sei defini-la. Sou uma pessoa angustiada, ansiosa, mas feliz, muito feliz. Criar é felicidade máxima. Quando faço um poema, vibro, pareço criança quando ganha presentes, brinquedos.
9) Quais são suas expectativas quanto aos mecanismos tradicionais de edição de livros de poesia? Ao editar seus poemas nos blogs você se exime da nostalgia-fetiche do livro?
Creio estar bem mais fácil lançar livros, sejam de poemas ou de quaisquer temas. No fim deste ano, pretendo lançar um livro com alguns poemas já publicados e outros inéditos. Livros são essenciais. A internet não tem como ocupar o lugar deles.
10) Você vislumbra a possibilidade de escrever letras para canções? Quais são seus letristas preferidos na música popular brasileira?
Sim. Já escrevi algumas letras de músicas para amigos meus que compõem, aqui em Alagoas, e que tocam em barezinhos, mas tudo de forma engraçada, sem planejamento, a pedidos loucos e vorazes. Combinei com a Marina compormos uma canção... Mas ainda são só planos.
Gosto muito de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Aprecio as letras de Antonio Cicero, Arnaldo Antunes, Péricles Cavalcanti, José Miguel Wisnik e Adriana Calcanhotto.
11) O múltiplo e saudoso José Lino Grünewald editou em 1996 o livro “Pedras de toque da poesia brasileira”, onde ele mesmo introduzia: “Pedra de Toque (do inglês touchstone) é um termo que, no caso, se refere a trechos, frases, expressões, ou, às vezes simples flashes da maior/melhor densidade poética dentro de um texto.” Cite alguns versos, trechos de canções ou de textos filosóficos, que foram “pedras de toque” marcantes na sua formação.
São muitas e dizer algumas, esquecendo outras, seria uma fatalidade cruel. Deixo essa aqui, do meu amigo Antonio Cicero, que sempre me traz uma alegria e uma possibilidade de alcançar novos horizontes: "Quem sabe o fim não seja nada e a estrada seja tudo".