quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Adriano Nunes: "Somos uns bárbaros"

"Somos uns bárbaros"


Ah, corpos quantos
Por vácuo vasto
Sugado, o espaço
Aberto, dado
A todo Estado,
Para matar
O cidadão,
A cidadã!
Vê, meu bem, já:
O Estado mata
Também, cá, lá!

Oh, vidas tantas
Tão violadas!
Escolhas são
Para atestar
Quem menos mata,
Quem matará
Mais? Eis o dado
Enfim palpável
Dessa ilusão:
Somos ou não
Civilizados?

Constato: não!
Pois precisamos
Da voz legal
Para moldar
Os nossos atos,
Para atestar
Que somos, claro,
Uns animais
Ferozes, mais
Que os animais!
Somos humanos,

Poder buscando,
Buscando fama,
Glória, o céu alto!
Somos uns bárbaros
Prestes a dar
O golpe baixo
Contra a vez mágica
Da vida! Estamos
Sempre louvando o
Ser arbitrário,
O vil carrasco,

O rei tirânico,
O autoritário
Chefe de Estado!
As leis amamos
Sem as testar.
Dizemos: quão
Belas leis são!
A morte trágica
De irmãs, irmãos,
Comemoramos!
Eis o mal máximo!

Até matamos
Em nome das
Crenças e das
Verdades nada
Prováveis! Cada
Hora é só máscara
E intolerância!
E, em cada instante,
O Horror se faz
Mesmo capaz
De dar as cartas!


Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Have wings, get out of myself"

"Have wings, get out of myself"


When I was a child I was
Free, as children can be
Free. Then, already young,
I thought freedom was to
Have a Honda or a Subaru.

Now, freer than ever, I
Walk unclad in my home,
Have wings, get out of myself,
And dive into infinity of what

I feel about everything.
Icarus enchanted by
The sky! Sometimes
There is someone close,

Skin to skin. I keep on
Alone sometimes.There
Are flowers and a desert.
There is an intimate fight:

A mix of hell and heaven!
Other times, I write
Verses. When I was a child
I was happy, as children

Can be happy. Now, not
So young, I know happiness
Is to have a piece of peace
On my mind. By the way,

Only that. Oh, my heart,
Say to me how that balsam
I find! How can I find
That? Looks like I'm blind!


Adriano Nunes

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Adriano Nunes: "ars poetica"

"ars poetica"


preciso entregar o meu coração
ao primeiro poema
que bater à minha porta,
trazendo flores ou quimeras à mão.
preciso estar disposto para
escapar às intempéries vastas
do sim e do não.
com que pretensão construir-desconstruir
as coisas que só são?
com que ambição dar sentidos
a voz angustiada da imaginação, de vez?
sê este objeto destituído de conceito!
sê este objeto que se reconhece leve e
livre de fórmulas e regras!
sê esse assombro sináptico, este sopro
de portentos surpreendentes!
sim, primo poema, vem, vem logo,
sem quaisquer propósitos!
vem como és, em si e para si,
como se fosses mesmo o silêncio
que se esconde em cada átimo ignoto.
leva tudo que sou, urgentemente.
leva a carne, os ossos, a pele, o olhar, a mente.
sê apenas o que és, este mistério
travestido de sombras e metáforas.
talvez, assim, levando-me, de mim tragas
a palavra, a rima, o ritmo, o metro, o sonho estético.
para ver se também posso ofertar-te,
quem sabe, a beleza da não-verdade.
ou a verdade de si
mesmo: a finalidade sem fim
que engendra tudo e arde.

Adriano Nunes