terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Adriano Nunes: "Chove. Forte. Forte"

"Chove. Forte. Forte"


Chove. Forte. Forte.
Chove. Desde o norte
Ao sul, como pode.
Nesta simples ode.

Chove. O céu se move
No solo que o absorve.
Desde cedo, às nove
Da manhã, já chove.

Pingo a pingo, chove
Sobre o verso, forte.
Fria e cinza, olhem
Para a tarde, molhem-se!

Adriano Nunes: "Walter Benjamin"

"Walter Benjamin”


Ó, Benjamin, cansado Benjamin,
Não deixes que a vida saia de ti
Como algo que se ensaia, sob mágoas,
- Ao norte, os nazistas estão, na praia! -
Não deixes que Paris se esqueça de

Vir a ser o que Paris poderá
Ser quando não estiveres aqui,
Quando fincares-te mais do que a crítica,
Quando estiveres onde o grã Mistério
Vingar, ou quando estiveres além

Do que se espera de tempos sombrios.
Nunca deixes que do Terror as garras
Agarrem-te, desgastem-te, destruam-te.
Jamais permitas que a forca e os projéteis
Ferozes atinjam-te feito alvo,

Como alvo de si mesmo e do medo.
- Os nazistas estão por todo lado! -
Não deixes que o Terror toque os teus sóis,
Tua carne, o teu cerne, a tua morte,
Não deixes que te molde após o fim,

Que te matem com tuas mãos, não deixes!
Ouve a cantilena voraz de tudo
Enquanto tudo, por amor ao mundo!
Ouve o riso vasto do passar abrupto,
Ouve o que choram muito todos esses

Portos, essas fronteiras, esses rumos,
Enquanto a chance é mesmo vã, enquanto
O acaso expulsa o Terror dos seus báratros,
O temor, o hercúleo temor que engendra
O vácuo dinâmico que destrói

Vidas vulneráveis, fragilizadas
Para tudo e nada, pra o tudo ou nada
Do que já não mais há, do que atormenta.
Ó, Benjamin, cansado Benjamin,
Por que ousaste ser como somos nós?

sábado, 20 de janeiro de 2018

Adriano Nunes: "Hannah Arendt” - para Emerson do Nascimento

"Hannah Arendt" - para Emerson do Nascimento



Königsberg já 
Sem ter Kant, ainda
Que a estátua de bronze,
Na praça se encontre, 
E, para lá, aponte,

Onde mesmo há 
A voz kantiana,
Na universidade 
Albertina, onde
A crítica arde.

Dos seus três até 
Ser uma mocinha.
A razão a alcança,
E à vida se alinha,
De Hanover longe,

- Mas não demais longe! -
Canto em que nascera.
Ah, como adorava,
A filha de Martha,
Pequena criança,

As rubras cerejas,
Que, às vezes, ficavam
Maduras, já no
Mês de fevereiro!
Outras vezes, nada

Adriano Nunes: "Do amor, que dizer ainda?"

"Do amor, que dizer ainda?"


Do amor, que dizer ainda?
Dizer do amor que não finda,
Que o sete ou setenta pinta,
Que não há cor pra ser tinta?
Que dizer, sem só dizer?

Do amor, que querer ainda
Que a quimera seja infinda,
Que pra si a vida minta
Enquanto voz, flor faminta?
Que querer, sem só querer?

Do amor, que prazer ainda
Resta qual dádiva linda?
Ó, que Eros me consinta
O amor, com graça distinta!
Digo: quero-o, com prazer!

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Adriano Nunes: "Pedra, ainda que"

"Pedra, ainda que"


Pedra, ainda que
Fosse o nome mesmo.
Os teus braços e as
Tuas pernas, sem
Quaisquer rotas, rédeas,

Ainda que nem
Fosse pedra, a esmo
Fosse água ou Zéfiro.
Depois, o tormento
De ser, descoberto,

O enigma até perto
Do corpo, a matéria
Do desejo, séria.
Pedra: ainda que
Restassem os véus

Entre o vácuo e o eu,
Porque nada, bem
Vê, nada cresceu
Tanto quanto o flerte
Que me fez querer-te

Vertigem e verso,
Outra ideia cética,
Talvez este plexo
Complexo, por ser
Porto, ponte, pedra.

Langston Hughes: “I, too” (tradução de Adriano Nunes)

“Eu, também” (tradução de Adriano Nunes)

Eu, também, canto a América.
Eu sou o irmão mais escuro.
Eles me mandam comer na cozinha
Quando a companhia vem,
Mas sorrio,
E como bem,
E cresço forte.
Amanhã,
Estarei à mesa
Quando a companhia vier.
Ninguém ousará
Dizer-me:
“Coma na cozinha,”
Então.
Além disso,
Eles verão como sou belo
E vergonha terão-
Eu, também, sou a América.

Langston Hughes: “I, too”

I, too, sing America.
I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.
Tomorrow,
I'll be at the table
When company comes.
Nobody'll dare
Say to me,
"Eat in the kitchen,"
Then.
Besides,
They'll see how beautiful I am
And be ashamed—
I, too, am America.


From The Collected Poems of Langston Hughes, published by Knopf and Vintage Books. Copyright © 1994 by the Estate of Langston Hughes.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Adriano Nunes: “Dos sonhos aflora”

“Dos sonhos aflora”


São só sete horas.
A vida, à deriva
De tudo, incisiva,
Dos sonhos aflora.

De ser-me se esquiva
Quem me penso agora.
Sentir o lá fora
Dói, de forma ativa.

São sete horas, ora!
A vida, cativa
Do devir, que viva
Do amor que a melhora!

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Adriano Nunes: "2018"

"2018"


Começaste bem
Distinto do outro.
Será que por isto 
Chamam-te de novo?

Que trazes em ti
Para que nós todos
Possamos sentir
O teu denso brilho,

Teus matizes de
Grã felicidade,
Teu sol infinito?
Será que convém

A ti, ser-te novo
Por seres um outro
Apenas ou se
Não ser o que ido

Foi-se, sem o mínimo
De qualquer vestígio
Deixar em ti, visto
Ser, assim, distinto,

É que, sem esforço,
Não implica pouco:
Isto é: és novo
De espírito e corpo

Por ser, desde o íntimo
Do ignoto devir,
O que há de vir?
Começaste? Quem

Ousa dizer: "nem
Mesmo sob o risco
De ser, ab initio,
Outro, não és novo"?

Dois mil e dezoito,
Começaste, aos poucos,
Pleno, portentoso,
Qual excelso bem!

Ella Wheeler Wilcox: “The year” (tradução de Adriano Nunes)

“O ano” (tradução de Adriano Nunes)


Que pode ser dito em rimas de Ano Novo,
Que miríade de vezes não seja exposto?
Os anos novos vêm, esvão-se os velhos anos,
Sabemos dos sonhos, os saberes sonhamos.
Despertamos com sorrisos com o clarão,
Repousamos aos prantos com a escuridão.
Abraçamos o mundo até que ele arda,
Praguejamo-no então e almejamos por asas.
Vivemos, amamos, cortejamos, casamos,
Cingimos as noivas, os mortos enterramos.
Rimos, choramos, esperamos, receamos,
E isto é o fardo do ano.

Ella Wheeler Wilcox: “The year”

What can be said in New Year rhymes,
That's not been said a thousand times?
The new years come, the old years go,
We know we dream, we dream we know.
We rise up laughing with the light,
We lie down weeping with the night.
We hug the world until it stings,
We curse it then and sigh for wings.
We live, we love, we woo, we wed,
We wreathe our brides, we sheet our dead.
We laugh, we weep, we hope, we fear,
And that's the burden of the year.

WILCOX, Ella Wheeler. Collected poems. London: L.B. Hill, 1924.

Este poema pode ser lido no site: https://m.poets.org/poetsorg/poem/year. Acesso 01/01/2018.