sábado, 31 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Acerto de contas"

"Acerto de contas"

Dois mil e dezesseis.
Um dia e serás nada.
Tempo que já te afaga,
Num paradoxo. Eis
Que até duráveis leis
Das mais duras palavras
Ver-te-ão virar vaga
Lembrança nos papéis
Dos arquivos de História.
Vão-te ler como escória
Dos acasos, não mais
Que isso, um grã glutão
De vidas, sonhos. Mais?
O teu fim cantar vão.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Noite. Noutro lugar já não há"

"Noite. Noutro lugar já não há"


Noite. Noutro lugar já não há.
Noto a caneta sobre o caderno
De notas. Nódoas desse destino
Que de todos é, sob o luar.
Normas? Ah, notívagos demônios
Que detonam toda a liberdade
De não mais querer limites pôr
Nos devaneios doces do amor!
Noite. Noutro lugar talvez haja
Quem escreva sobre noites nesta
Noite em que grã tristeza me testa.
Lápis, lapsos, folhas, fúrias, falhas...
Olvido? Musas? Mitos? Por que isso
De haver noite em que tudo se dá
Por perdido, sem rima ou ritmo?
Por que tudo se finca no olhar?

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Viver" - para Antonio Cicero

"Viver" - para Antonio Cicero


Existe um eco entre um ou e um se.
Resiste assim em mim um outro eu.
Enfim eu bem que disse - que se deu?
O fim é sem começo mesmo - diz-se
Desde quando criança me fiz meu
Sol de nãos e sins, sonhos de sons, se-
Mente aberta pra tudo que pudesse
Dar à vez outra vida, a que se deu
Entre um elo e um ethos, sob um ver-
So de alegria, o amor para rever
O que já valeria a pena, o ver
Da vertigem do flerte, pra sorver
A dívida de ser e não-ser, ver-
Ve de um instante raro que é viver.

Adriano Nunes: "Larapiolândia"

"Larapiolândia"


Por que querem governar
Um país parco e falido?
Ah, chão de doutos e ricos!
Por que querem o poder
De mandar num povo já
Servo, submisso? Por que
Querem a coroa e o trono
De um lugar ao deus-dará,
Desse recanto de tantos
Rombos, descasos, escândalos?
Ah, pousos de Häagen-Dazs!
Ah, conchavos imorais!
Por que querem, aos mil prantos
De crocodilo do Nilo,
Representar gente mísera,
Analfabeta, que, à vista
Das cocotes da grã corte,
Parece ter até lepra?
Por que querem mesmo o leme
Desse barco já furado,
Com crianças com marasmo,
Com velhos aposentados,
Com escolas em ruínas,
Com hospitais sem saúde,
Com cárceres tão lotados?
Por que querem esse troço
Público sucateado?
Sim, tudo parece óbvio!
Por que do furto prescrito
Fazem arte e bom costume?
Por que querem que não mude?
Ah, voos de avelãs, Tablitos!
Ah, sem voz os excluídos!

domingo, 25 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Natal"

"Natal"


Todo mundo nasce
Para ser feliz.
Assim aprendi
Com versos, canções,
Na conversa com
Os amigos íntimos
E os imaginários.
Esse era o tom!
Porém, na verdade,
Não foi isso que
Vi, por entre as gentes,
Quando por aí
Saí, à procura
De mim, do que vale
Mais que a eternidade,
Aquela alegria
De poder ver
As mãos estendidas
Já sendo atendidas,
O pão dividido
Enquanto impossível,
O amor sendo amor
Em todo lugar
Que se pense ou for.
Ah, quanta tolice
Do meu coração
Almejar impor
À realidade
A quimera mágica
Que nos dá mais alma,
Portento e prazer,
Quânticos caminhos,
Acasos tão raros,
O primeiro passo
Pra sempre seguir
Em frente! Que bons
Instantes bem tive
Sob versos, canções!
Ninguém pra ser triste
Nasce. Logo, digo
Que o Natal é isso
Que afaga o infinito,
Para a tudo dar
Tempo e renascer.

William Carlos Williams: "Winter trees" (Tradução de Adriano Nunes)

"Árvores de inverno" (Tradução de Adriano Nunes)

Os detalhes complicados 
do vestir-se e
 do despir-se estão completos.
Uma lua líquida
move-se suavemente entre
os longos galhos.
Assim tendo preparado os botões
contra um certo inverno
as árvores sábias
no frio a dormir mantêm-se.

William Carlos Williams: "Winter trees"

All the complicated details
of the attiring and
the disattiring are completed!
A liquid moon
moves gently among
the long branches.
Thus having prepared their buds
against a sure winter
the wise trees
stand sleeping in the cold.

WILLIAMS, William Carlos. “Winter trees”. In:_____. The collected Poems of William Carlos Williams – Vol. I. Edited by Christopher MacGowan. New York: New Directions, 2001, p. 153.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Ah, alegria em algazarra!"

"Ah, alegria em algazarra!"


Os olhares da manhã
Estão a reforçar os
Alicerces e anteparos
Da existência, mesmo vã.
A ilusão de amores caros
Por que só serve ao afã
De sorver todo o amanhã?
Ah, áureos e aéreos Ícaros!
Ah, voz que o infinito abriga!
Por que a mistérios se agarra,
Por que dá-se à intacta amarra?
Ah, alegria em algazarra!
Por que engendra-se em cantiga,
Por que quer qu'eu a persiga?

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Allepo" (concrete variations for a distress call)

"Allepo"* (concrete variations for a distress call)



Allepo
Allep
Alle
All
Al
A
Ap
Ape
Apel
Apell
Apello




ALLEPO
ALLEPA
ALLEAP
ALLAPE
ALAPEL
AAPELL
APELLO


Aleppo
Alepp
Alep
Ale
Al
A
Ap
App
Appe
Appel
Appelo




*Some people came to ask me why instead of "Aleppo" I wrote in my concrete poem "Allepo". Well: the English word "all" ( "everyone, everybody, each person, every person; each one", and here, I mean everyone has a portion of guilt) and "epo" (from the acronym for "emergency power off" button). Perhaps, it is not necessary to explain more details. A poem, as a finality without end, an aesthetic object, speaks for itself (or says nothing!).

sábado, 17 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "The quantum silence"

"The quantum silence"


The hour passes
Indifferent to the masses.
Everything seems
To have an end and has.
Even these words on
The anemic page will have
Their quantum silence.
Everything seems a bat,
A little dead bat.
Everything seems bad.
The ruthless Time
Annihilates what is yours
And what is mine.
The moment passes
And goes beyond
The sea of hopes like a bomb.
And it cruelly shines
For you, for them, for me.
We still keep hoping
To be saved by our thoughts.
Our arms are very tired.
Our eyes are just quicksand
And tears and tragedies and
Other asphyxiant instant of
Tears and troubles and tragedies.
What does Atropos plot
Against our uneasiness,
Our reasons?
Even this in our hearts
Finishes as a foolish fish
When caught by
A bait in a trap.
The hour flies, flies, flies...
Indifferent to the blue sky.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Adriano Nunes:"Ó noite!"

"Ó noite!"


Que noite aflora além
Da noite agora e tem
O matiz dalgum bem
Que não nota ninguém?
Que noite aborta o além-
Noite e doura o que vem
Co' a aurora: o que convém
À memória, também?
Ó noite! Ó noite, a quem
Em verso dar-te sem
Que da vida o vaivém
Esvaia-se, a mais quem?

Adriano Nunes: "Família"

"Família"


Uma rima
Pra ter prima.
Trololó
Pra os avós.
Dessa hora
Sob os sóis
Da alegria
Basta o pó.
Ou quem sabe
Sons totais
Que até pais
Musicais
Nossos sejam
De verdade.
Tudo mesmo
Sem receio
De ser tudo.
Ópio e absurdo.
Eis um mundo
Entre mundos.
Um só metro
Pra ser neto.
Mãe tão perto.
Ritmo ainda
Pra o que mina
Da menina
Que já mora
Nesta nota
Sem demora.
A metáfora
Pra ter tio
Que do Rio
Já partiu
Para o longe.
As anáforas
Para o agora
São só minhas?
As sobrinhas,
Os sobrinhos,
O meu ser,
Sempre verso,
Tão sozinho.

Adriano Nunes: "Os sibaritas"

"Os sibaritas"


Foram ao campo de batalha.
Tão caros cavalos de raça.
Armaduras de ouro e prata.
A existência é que era gasta.
Tinham tudo, já tinham nada.
Maravilhosos mais marchavam
Contra a grã Crotona, da Magna
Grécia colônia, prima parca.
Elmos de rubis e esmeraldas.
A vaidade é que era válida.
Tinham tudo, já tinham nada.
Tormenta à tarde, não só armas
À mão dos guerreiros da sábia
Crotona: os instrumentos para
A execução de uma sonata
Demais afinados estavam.
Ornadas de jade as espadas.
Tinham tudo, já tinham nada.
Das alas atrás o som salta
Pra as fileiras à frente e, pasma,
Fica a visão paralisada:
Como cada cavalo baila!
Baila, não luta - que desgraça!
Pobres sibaritas sem táticas!
De sangue e dor sujas as capas.
Tinham tudo, já não há nada.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "A dor do que resta é demais"

"A dor do que resta é demais"

Noite violentamente igual.
Céu chumbo e alguns riscos azuis.
Pirilampos de pedra e postes
Enfileirados. Pelo vidro
Sujo da janela do ônibus,
A existência a si só contempla.
Muita coisa deu certo. Mas
A dor do que resta é demais.
Passam carros. Passam correndo
As destemidas esperanças.
Passam os instantes do acaso
Ante a promessa do ideal
De noite. Nem tudo retorna
Ao ser, nem os astros agora.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Ciência"

"Ciência"


Observo
Objetos
Abjetos.
Não meço
Seus cérebros,
Seus tempos.
Não peço
Que tentem
Retê-los
No verso
Ou entre a
Galera
Sob rédeas,
Ingênua,
Paupérrima.
Nem entre
Aqueles
Que servem
De imenso
Tapete
Pra que
Os seres
Sem ética
Passeiem,
Sem medo,
Receio,
Em festa,
Fazendo
Facécia
Das gentes
Carentes,
Das gentes
Sedentas
De metro
Correto
Pra o ser.
Proteus,
Eleitos
São eles.
Decerto,
Que sei
O que
São? Se
Um mero
Espectro
Que tem
Poder
De veto
De bens,
Direitos,
Dilemas,
Até
Poemas!
Que pesam?
Ou se
Um ego
Perverso
Que mesmo
Detesta
O resto.
O que
Se vê
É que
Tais entes
Da lei
Proveito
Obtêm,
Pra bem
Manter-se
Além
Da lei.
Quem tem
A mente
Esperta
Já deve
Poder
Saber
Mais de
Que o verso
Mal tenta
Dizer.

Adriano Nunes: "Com os livros" - Para José Mariano Filho

"Com os livros" - para José Filho


Quando manca
A esperança
De ser lido
Logo alcança
A alegria
De ser tido
Por amigos
Como vate,
Que mais vale?
Entre pérolas
De alfarrábios
E vis ácaros,
A lembrança
Que balança
Todo o âmago:
Ler um tanto
E escrever...
Eis que passo
A existência
Com os livros -
A Peneira
Do Infinito -
A razão
Companheira
Para as noites
Que passado
Tenho em claro.

Adriano Nunes: "Soneto 1"

"Soneto 1"

Quando
Canto-o,
Mundos
Fundo,
Sonhos
Tantos
No
Âmago
Levo.
Múltiplas
Vidas,
Versos
Vários
Vingam.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Sóis a mais"

"Sóis a mais"


Com quais olhos
Dar-te as lágrimas
Libertárias
Da linguagem?
Com quais lábios
Dar-te o riso
Do infinito, e
Não só isso?
Com quais braços
Dar-te o abraço
Do propósito
Multicor?
Ah, motor
Do que do
Amor faz
Um princípio!
Ah, pavor
Do que se
Faz vil óbvio
Entre os mitos!
Com quais signos
Dar-te um cosmo
Outro, sem
Medo, além
Do que posso
Neste escrito?
Ah, com quais
Sóis a mais
Numa rima,
Sob o ritmo
Do que mina,
Dar-te vidas?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Se versos faço"

"Se versos faço"


Na noite alta
Nada me falta,
Se versos faço.
A vez é laço.
Silêncios caço
No espelho baço
Do que se exalta
Na noite alta:
Que vida basta
Pra pôr na pasta,
Feito retrato?
Que voz é vasta
Pra dar ao ato
Formato exato?

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Ó, Verve!"

"Ó, Verve!"

Na folha 
Anêmica,
O que 
Rolar
No voo
Da pena
Não deve
Ser coisa
Pequena,
E pode
Ser que
Já valha
A sanha ou
A senha:
Mas como
Dizer-vos
Agora
A senha?
Ó, Verve,
Não te
Detenhas!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Forever" - to Hamish Danks Brown

"Forever" - to  Hamish Danks Brown

Oh, please,
My dear
Poetry,
A piece
Of peace
Is pleasant
For me,
It is
A bliss.
But if
You kiss
My beat
With this
Sweet swing
I think
That we
Can live
Together,
Scraping,
Romping,
Forever.

Adriano Nunes: "Tudo fica"

"Tudo fica"


Sob as lápides,
Alguns lapsos,
Alguns laços
Bem atados,
Outros não.
Certamente
Nada sobra,
Nem um olho!
Muito menos
Coração.
Só memória
De algum ente
Se parente, e
Olhe lá!
Os haveres,
Os desejos
Que ninguém
Sequer sabe...
Ah, desfazem-se!
Ossos todos,
Uns roídos
Pelo tempo.
Uns porosos
Desde quando o
- Feito máquina -
Corpo andava.
Pensamentos
Nunca expostos?
Pouco importam!
Até vermes
Podem ter
Seus propósitos
Definidos.
"O existir
Goza em ser
Comestível",
Clamam os
Tapurus
Eruditos.
"Por enquanto,
Se há carne
E tutano -
Dizem - "cá,
Bem estamos!"
E, não se
Saberá
Jamais, com
Quantos versos
É possível
Engendrar
Paraísos
Para os vivos.
Mas se morre
Um poeta,
Vê-se logo
Que é certo
Que, sob pedra,
Não se encerra
Sua vida.
Tudo fica
Sobre a lápide,
Mesmo que, a
Sete palmos,
Dela abaixo,
Bem descanse
Ou se estresse
O cadáver.

sábado, 3 de dezembro de 2016

Adriano Nunes: "Pode até ser" - para Carmen Silvia Presotto

"Pode até ser" - para Carmen Silvia Presotto


Pode até ser
Que o sofrimento
Os seus momentos
De império tenha e
Do acaso mesmo
Faça a fogueira
Em que quimera
E espera sejam
Tormento imenso,
A deletéria
Direção, sempre
Pronta pra ver
Ruir o que
Mais se planeja,
O que mais se
Quer, o que serve
Pra aplacar medos,
Fracassos, tédios.
Pode até ser...
Porém a pena
Vale viver,
Acontecer
Toda a existência
Ignota, plena.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Adriano Nunes:"Sem rédea"

"Sem rédea"

Eu e a
Saudade,
Sem rédea,
De ti,
Aqui,
Na tarde
Elástica
Do verso.
Assim,
Imerso
Em mim,
Que basta?
Que ideia
Mais arde,
Que rotas,
Enquanto
Decanto-te
Num canto -
Não notas? -,
Sem mote,
Sem fim?