quarta-feira, 30 de maio de 2012

Adriano Nunes: "Consideração"

"Consideração"


Entre o infinito e tudo
Que abrigo

Em meu íntimo, outro

Instante gratuito, o susto
Palpável - no papel -

De pensar-te

(Ainda que no recôndito silêncio
De silício, o amor

Não precise ser só

Atrito, suores ou
Isso).

terça-feira, 29 de maio de 2012

Adriano Nunes: "Protocolo Classe I"

"Protocolo Classe I"


Meu coração,
Ouve-me:

Quando despertares,
Levanta e vai
À feira livre.
Compra maçãs,
Amoras, pêssegos,
Nêsperas, peras,
Uvas...
Não tardes
Em voltar.

Sem desespero,
Sem pressa,
Retorna
Ao trabalho diário,
Bate, bate, bate,
Bate no ritmo
Que mais te agrada.

Quando perceberes
Que as quimeras já não adiantam,
Então pára.

Meu coração,
Ouve-me:
Então bate!

sábado, 26 de maio de 2012

Adriano Nunes: "Aniversário" - Para a minha amada mãe

"Aniversário" - Para a minha amada mãe 



Voei alto até a vidraça
Para ver se a vida dava
A tal guinada, esperada
Mudança, porque era já
Nascente o assombro em minh'alma.
Chove nova avulsa valsa
De insuportáveis lembranças...

Talvez, fosse só metáforas
Do que ainda era vontade,
Do que abriga o coração...
Ou porvir considerado?
Sim, medo de constatar
Em mim todas as entranhas
Da existência, dessa mágica

A corroer o amanhã.
Eis que vem surgindo a data
Do aniversário, mas nada
Agora importa. Volto à vasta
Amplidão do olvido, em pranto.
Não lerei mensagens, cartas...
Não quero sonho que valha!

quinta-feira, 24 de maio de 2012

José Gorostiza: "¿Quién me compra una naranja?"

"¿Quién me compra una naranja?" - José Gorostiza
A Carlos Pellicer


¿Quién me compra una naranja
para mi consolación?
Una naranja madura
en forma de corazón.

La sal del mar en los labios,
¡ay de mí!
la sal del mar en las venas
y en los labios recogí.

Nadie me diera los suyos
para besar.
La blanda espiga de un beso
yo no la puedo segar.

Nadie pidiera mi sangre
para beber.
Yo mismo no sé si corre
o si se deja correr.

Como se pierden las barcas,
¡ay de mí!
como se pierden las nubes
y las barcas, me perdí.

Y pues nadie me lo pide,
ya no tengo corazón.
¿Quién me compra una naranja
para mi consolación?

"Quem me compra uma laranja?"
(Tradução de Adriano Nunes)

Quem me compra uma laranja
pra minha consolação?
Uma laranja madura
em forma de coração.

O sal do mar sobre os lábios,
ai de mim!
O sal do mar nessas veias
e nos lábios recolhi.

Ninguém me dera os seus
para beijar.
A branda espiga de um beijo
eu não a posso segar.

Ninguém pedira meu sangue
para beber.
Eu mesmo não sei se corre
ou se deixa de correr.

Como se perdem as barcas,
ai de mim!
Como se perdem as nuvens
e tais barcas, me perdi.

E porque ninguém mo pede,
já não tenho coração.
Quem me compra uma laranja
pra minha consolação?

In: GOROSTIZA, José. "Poesía y Poética". Madri: ALLCA XX, 1996, p. 7.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Adriano Nunes: "hexaedro" - Para Marlos Barros

"hexaedro" - Para Marlos Barros



troca-se a trilha, tem-se
a vida toda para
persegui-la... sim, tenta-se
tudo: acasos, astúcias,
estratégias pra fugas,
lances, liames, lápis

à mão. mantém-se a mágica
há tanto carcomida;
ela 'inda serve, alguém
irá fazer o mundo
dar giros através
dela, porque prospera

a quântica quimera
dos gritos de grafite.
furta-se o sumo, sei.
foge, ó faisca, foge
do infinito de tudo!;
o amor é esse fóssil,

escavamos a entranha
da existência por ele,
dissecamos a teia
de silício e memória,
encaixamos o instante
de ser na tez diária,

enquanto éramos só
pólvora, susto, sombras.
tudo estava até pronto
pra tudo, menos nós,
espectros do pensar,
cinzas da consciência.

e não era só isso...
era o medo do vácuo
das saudades ignotas,
dos tempos empalhados
na ruptura do espírito,
nas ruínas do corpo,

ou mais e mais... permuta-se
a palavra: não basta
a miragem à flor
da linguagem, da máscara
do prazer! viveríamos
de tédio, da intempérie

do coração, sob grades,
gretas, grampos, agravos?
não! rasgamos os âmagos
dos gozos, por pirraça;
nem queríamos mais
nada, nem mesmo o bálsamo

do contato, da posse
táctil e visual,
do arcabouço sináptico
da alegria, dos sonhos.
íamos pela estrada,
contentes, mas confusos,

corríamos da falta
do que nos dissolvia,
quebrávamos as rédeas
dos perigos possíveis,
brincávamos de ter
privilégios divinos,

adivinhando o inútil
intervalo de sermos nós
a qualquer custo, sempre
à espreita de mais fôlego,
de mais força, de um fórceps
capaz de dar à luz

a nossa humanidade,
nossa estranha carência,
nossa desculpa cíclica,
porque éramos o pó,
iríamos ao pó,
sem haver um princípio.

Adriano Nunes: "Apenas isso"

"Apenas isso"



Os sonhos infindos,
Aquela alegria 

Ululante, a paz
A postergar todos

Os meus pensamentos,

O farol longínquo, 
O enigma da Nuvem 

De Magalhães, sons
De um verso guardado,
Vivo, na gaveta


Do armário do quarto,
A imensa vontade 

De gritar, gritar, 
Como se tivesse 

Encontrado a fonte

Da felicidade...
Sim, a astúcia prática,

A totalidade 
Que o olhar tanto invade,
Mais além do íntimo

Do que aqui não digo
- Perímetro lido
Nos véus dos silêncios 

De silício - Tudo 
Que em mim vinga incógnito,

Não deve ser mito

Nem mais confundido:
É amor, apenas.

Isso de entregar-me
À palavra, ao signo.




domingo, 20 de maio de 2012

Adriano Nunes: "Noite tensa"

"Noite tensa"



Noite tensa.
Reviro os livros, procuro o
Paradoxo do que represento
Para lançar-me à carne
De algum pensamento,
Ante o íntimo dos sonhos
E entre essa estranha película
De limites rememorados
E a certeza dura de que tudo acaba.

Reverto a paisagem, sem pressa.
Prometi às laringes de grafite não mais
Adiar a felicidade, aquela
Paz que se revela
Diante dos olhares fugazes do amor.
Era preciso ser preciso... Não fui.
Era preciso ter astúcia... Não tive.
Era preciso evitar esquemas e
Estratégias contra o que eu ainda poderia

Supor,
Contra o tédio... Não pude.
A noite veio
Carregada de peso, sem pausa,
Sem pontes para o tudo-nada,
Súbita, negra, pronta para 

Dilacerar os liames de luz.
Sim, tentei sentir-te
Adentro,

Violentamente.
Menti... Nunca poderia
Isso vingar numa alegria.
Redesenhei a falta.
É a noite e ela
Propaga-se pelo silêncio
De silício, acumula-se,
(Que traiçoeira tristeza!)
Em meu coração.

Outra dor me assalta, fria,
Tal carrasco depois do ato sem volta.
Era preciso dizer-te do corpo... Não disse.
Era preciso fazer rodeios... Não fiz.
Era preciso fingir totalidades... Como assim?
Noite sem pele, tensa...
Assusta-me o desassossego
De deduzir que
Outro tempo me pensa.

Em toda leitura, estás.
Em toda gravura, estás.
Em todo cheiro, estás.
Em todo som, surpreendendo-me, estás.
Um pranto quer emergir...
Dragões pousam, neste instante,
Em minha janela.
Os seus olhos são a verdade.
E a vida dói e assombra.

O porvir
Agora me povoa
Porque me enviaram via Sedex
Esperanças empalhadas.
Conto até dez... Nada some!
Era preciso pedir mais e mais... Tolice.
Era preciso rasgar o âmago do infinito... Loucura.
Era preciso dar a vez ao olvido... Fraqueza.
Era preciso dormir um pouco.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Adriano Nunes: "Quando perguntaram" - Para Gleuza Salomon

"Quando perguntaram" - Para Gleuza Salomon 


Quando perguntaram
À morte
O que ela fazia
Em Auschwitz, a sua resposta 

Fria e sincera foi:
"Quis ver se
O mundo existia.

Depois, não
Tive memória... Perdi-a
Como se perdem
Poderes e glória."
Insistiram na questão,

Era preciso:
E nos porões úmidos
E sombrios, nos cárceres,
Nos impulsos violentos
Da natureza, nos desastres, 

Que fazias tu, 
Sempre atenta à vida?

À tona, veio o dito:
"Brincava de guia turístico

 - algo íntimo! -
Desafiando o
Infinito."

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Adriano Nunes: "Doutra vontade alheia"

"Doutra vontade alheia"



Entre a tez do infinito
E o que em mim volta e meia
Sempre me escamoteia,
Este sonho proscrito.

Talvez, amargo, aflito,
Não sei... Triture a veia
Doutra vontade alheia
O estar entregue a um rito,

Ao que possa ser dito.
Esta vida? Louvei-a,
Mas a seu preço, admito.

Atraio-o, ó tempo, à teia
- Será mesmo o meu grito? -
Qual canto de sereia!

sábado, 5 de maio de 2012

Adriano Nunes: "this fall"

"this fall"

this is
not a
poe 
m.
d

id
you under
sta
m
e? nd

between the in
finite and every
thing that I'
m
feeling,

this fall,

hear my heart be
at ing be
at ing b
eat in'
for you,

is all!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Adriano Nunes: "longe" - Para Arthur Nogueira

"longe" - Para Arthur Nogueira 

nem o muro
nem o mútuo modo
nem o mudo mundo
ou esse outro
óptico cosmo
todo o propício propósito
do canto

de longe
de leve
e tudo que for levando
o ponto de ônibus
o pronto-atendimento
o pulo para o impulso
a pessoa

e depois o ir-e-vir
e o infinito voa,
ressoa, ressurge,
regurgita a lúcida luz
a antiga lua
e toda a gravidade
de um instante

não seria só
saudade?
que vultos nos cabem?
eco
íntimo, liame métrico?
algaravia, nem sei...
mundano

moldando
mudando
modelando
molécula por molécula...
e da palavra desperta,
que sabemos,
que resta?

terça-feira, 1 de maio de 2012

Adriano Nunes: "só o coração"

"só o coração" 

não tenho o que
oferecer-te.
o infinito?
outro verso?...
mas tudo não
já fora dito?

a não ser isso
que em
meu âmago abrigo:
o amor.

pouco te serve?
não tenho o que
oferecer-te.
o impossível?
outro flerte?
mas tudo não...

só o coração!

Adriano Nunes: "viver"

"viver" 

vez ou outra, entre
gritos, sustos e vassouras,
um rato ousava
sair, à socapa, da sua
toca, nicho escondido,
que nunca sabíamos
onde estava.

vez ou outra, tudo
era uma algaravia:
pulos sobre o sofá,
corre-corre, mil
sacudidelas, mas nada
de capturar o
rápido roedor.

era um instante raro!
vez ou outra, entre
ruídos, restos de alegria,
um rato ousava
dizer-nos, talvez, da sua
maneira, como se deveria
viver.