sábado, 31 de outubro de 2015

John Keats: "Where's the Poet?" (Tradução de Adriano Nunes)

"Onde está o poeta" (Tradução de Adriano Nunes)



Onde está o poeta? agora o mostrem,
Nove Musas, pra que o conhecer possa!
É o homem que entre homens
É um símile, Rei seja,
Ou o mais pobre do clã dos lazarones,
Ou qualquer outra coisa portentosa
Homem que esteja entre um símio e Platão,
É o homem que com um pássaro,
Carriça ou águia, acha rumo para
Todos seus instintos; ele escutara
Do Leão o urro, e pode falar
O que a sua garganta ébria expressa,
E para ele o rugido do Tigre
Vem articulado e aperta
Ou seu ouvido qual língua materna.


John Keats: "Where's the Poet?"


Where's the Poet? show him! show him,
Muses nine! that I may know him.
'Tis the man who with a man
Is an equal, be he King,
Or poorest of the beggar-clan
Or any other wonderous thing
A man may be 'twixt ape and Plato;
'Tis the man who with a bird,
Wren or Eagle, finds his way to
All its instincts; he hath heard
The Lion's roaring, and can tell
What his horny throat expresseth,
And to him the Tiger's yell
Come articulate and presseth
Or his ear like mother-tongue. 



KEATS, John. Complete poems and selected letters of John Keats. Introduction by Edward Hirsch. Notes by Edward Pollock. New York: The Modern Library, 2001, p. 334

Adriano Nunes: "Hamud sabe que é agora" - Para Mauro Sta. Cecília

"Hamud sabe que é agora" - Para Mauro Sta. Cecília



 (I) 

Hamud decidiu ser um homem-bomba.
Ele não nasceu um homem-bomba.
Ele não nasceu para ser coisa alguma.
Não nasceu tendo crença alguma.
Como todos, convencido foi por isso,
Porque alguém lhe apresentou argumentos fortes,
Para um fim grandioso:
A felicidade imutável, para sempre.
Ele não sabe ainda o que é a vida.
Nunca lhe ensinaram a cartilha prática da morte.
Seus olhos sabem pouco 
Do que é miséria, fome, desespero, angústia,
Medo, solidão. Medo e solidão.
Essa é a cidade de sua existência.
Não consigo, aqui, encontrar nenhum trauma
Na infância, nenhuma sequela humana.
Seus vizinhos viram-no tornar-se o que é.
Sob véus, as moças até
Constatam que Hamud é mesmo belo.
Amanhã que falarão de Hamud?
Seus pais já estão velhos. São pastores sírios.
Sabem do calor do deserto e das ruínas que restam
De Palmira. Eles não sabem das sinapses de Hamud.
Seus pais já estão bastante velhos. Parecem felizes.
Hamud não lhes contou que explodirá em breve.
Ele não conta nada para ninguém.
Só disso sei porque quase agora,
Pude invadir o seu espírito inquieto.
Pensa ele que essa  inquietação é a liberdade.
Pensa ele que, depois de ter explodido,
O além-explosão devolver-lhe-á tudo,
Cada pelo, poro, cada extensão da pele,
Cada pedaço de músculo, 
Cada fragmento de osso,
Cada víscera, cada enzima, 
Cada mistério, cada desejo
Cada gota de sangue,
Cada inescapável instante,
Cada silêncio, cada gozo.
Ele até sonha com o harém que disso crê que advém.
São onze e quinze da manhã.
Hamud já não quer mais o sol ardente 
De cada amanhã. Não quer mais saber 
Dos berros das ovelhas, dos balidos dos cabritos.
Olha-se ao espelho. A barba ainda crescendo.
Hamud só tem trinta anos.
Cada pacote com explosivos ajeita cuidadosamente
Em volta de si, amarrando-os com firmeza.
Ele fez um acordo tácito com a esperança.
Ele não sabe que a esperança é traiçoeira.


(II)

A partir de agora não nos assustemos.
Hamud não sentirá dor alguma.
Para que a sua ação seja válida, acha, que não
Pode explodir sem mais nem menos.
Não é a explosão por si mesma, simples,
Que lhe conduzirá ao harém do além,
Do que ele só sabe por argumentos perniciosos.
Ela só terá importância, impõe a si, 
Se conseguir matar o maior número de pessoas
Que ele não considera mais seus semelhantes.
Hamud acaba de sair de casa.
São onze e cinquenta.
Alguns conhecidos o reconhecem e sorriem
Para ele. Ele os cumprimenta.
Ele não mais sabe por que os cumprimenta.
Passa por uma escola. Observa-a
Com atenção. Não, não fora a ordem lhe dada.
Passa por uma sinagoga. Segue
Em frente. Passa por uma embaixada.
De qual país será?
Caminha apressadamente.
Hamud está um pouco tenso. Sua. 
Parece tremer. Uma dúvida o alcança.
Ele só tem trinta anos. Pensa
Em seu pais já velhos e cansados.
Pensa em Saphira Yerutz.
Pensa em todos que precisam ser mortos
Ainda hoje.  Ele já fez a sua escolha.
Certamente não poderemos vê-lo mais
No almoço, com a sua família.
Hamud virará pedaços e interrogações.
Essas bombas não costumam falhar.
Elas não falham 
Como falham os humanos que as fazem.
Hamud passa por uma estação de trens.
As pessoas estão sendo as pessoas, 
Como podem, o quanto podem.
Hamud já não é mais Hamud.
Lembra-se de quando era criança.
Lembra-se de que não é mais aquela criança.
Volta-se para Meca. Agradece.
Consegue ver todas as dádivas
Que, sente veementemente, terá.
Hamud há muito deixou de ter um lar.
Subitamente, sente uma coceira por baixo
Das amarras. Saibamos, isso é nada.
Entra no trem. Uma algaravia estranha.
Tudo é sempre o mesmo nó, sem palavras.
Hamud sabe que é agora: é agora!
E explode.



Adriano Nunes 

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "As torres de Alatarbuch" - Para Joca Libânio

"As torres de Alatarbuch" - Para Joca Libânio



Caminhamos sem uma direção. Talvez, responda-me o leitor que para a morte seja incontesti. Não sabemos bem. Com Sócrates, dizemos: nada sabemos. Mas o deserto escaldante e insólito nos confirma que seguimos. Ou para frente. Ou para trás. Ou em círculos contínuos. Seguimos sem suspeitar de que somos seguidos. Atrás, a massa acéfala nos acompanha. Deixe-me apresentar, porque também não tenho muito tempo de conversa, de conversar contigo, leitor desatento, pois a jornada parece que será longa, mesmo que o conto termine daqui a poucas linhas. Chamo-me Yamaderzine. Sou líder dessa tribo de nômades. Tenho onze filhos e três esposas. Seguem-me os que creem em mim. Os que ainda têm alguma esperança trancafiada em suas aljavas imundas. Creem em mim aqueles que já não têm esperanças e depositam nesse percurso tudo o que imaginam que têm. Prometi-lhes que os levaria para a grande felicidade. Eles estão felizes por saber que podem chegar à grande felicidade. Porém eu nunca lhes disse o que era bem a grande felicidade porque eu também não sei o que é essa grande felicidade.Contentamo-nos em seguir sem saber o que é a grande felicidade.Será o deserto a grande felicidade? Será o seguir roboticamente a grande felicidade? Será o nada? Seguimos sem mais questionamentos. Estamos a seguir já no décimo primeiro dia. Pronto. Apresentei-me. Deixo-os com o narrador. Ele é que deve saber de algo que nos possa explicar. Ou confundir-nos melhor. Fugindo da culpa de serem quem são, persistem em seguir os nômades de Tarkesh-Wizayd. Tarkesh-Wizayd já fora a capital do mundo inteligível. Hoje a barbárie toma conta de tudo que há entre os seus muros de pedra e obviedades sanguinolentas. Parece que depois de certas épocas, as cidades vão crescendo, crescendo, crescendo e tudo é igual à massa de pão quando não tem mais para onde expandir-se. Seca e apodrece. Assim, vejam bem curiosos leitores, Tarkesh-Wizayd cresceu demais. E crescer demais também é um deserto. Esse é o deserto. Tarkesh-Wizayd tem lá os seus nômades diários que vivem a percorrer vias convulsas de trânsito, ruas sujas e deselegantes, becos sórdidos, grotescos à espera de vítimas. Todos estão em Tarkesh-Wizayd. Eu e você. E os seguidores cegos de Yamaderzine. Para ele e os seus, os que lhes são diferentes não devem ter nenhuma consideração, nenhum respeito ou valor. Yamaderzine coordena as explosões. Ontem foi uma escola de crianças nos arredores de Sanzazvik. Hoje planejam explodir o metrô. Tudo está seguindo conforme planejaram. Alguns estão dispresos entre os do povo comum. Outros estão preparando as questões necessárias, os pontos pragmáticos do que vale um dia de sol intolerante e muito quente. O metrô fica em frente às torres de Alatarbuch. Dez para as dez. As torres parecem agora chaminés devido à fumaça. Estranho. Yamaderzine não sorriu. Parece que, mesmo estando só destroços e carne queimada em seu campo de visão, ele não pôde capturar a grande felicidade. Imaginou que ela fugira no último trem da estação do metrô antes da explosão. Não. Ele pensou seriamente que ela estaria em algum avião, no aeroporto central. Ou em outro lugar mais diferente, mais humano, mais liberto. Yamaderzine não é tolo.



Adriano Nunes

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "A linha" - para Nelson Ascher

"A linha" - para Nelson Ascher


Ynauktialev acordou mesmo tarde. A última caravana partira para Kalinkta antes das cinco. A neve seria uma ameaça para todos. Principalmente para os inimigos do reino. Digo inimigos do ponto de vista do reino: aquela visão única e exagerada sobre quaisquer situações. Sempre será bom para o reino ter um testa-de-ferro, um traidor ou um Zé Ninguém que respondam por algo. Pode-se dizer que é lei porque adveio de um costume bárbaro antigo. Em Satraievna, a vida se dava assim: aquele que questiona um ato estatal, seja qual for, precisa ser executado. Nas escolas, ensina-se, desde a prima aula, que o silêncio vale mais do que as esmeraldas, rubis e safiras da coroa do rei. Na verdade, as crianças não sabem se há alguma pedra na coroa do rei, porque perguntar qualquer coisa poderia ser questionar. Não sabem se há rei. Então aprendem a repetir a cantilena triste de que tudo em Satraievna é uma dádiva real. Não há deuses em Satraievna. Há um edito determinando ser veementemente proibido haver deuses porque um deus poderia questionar a autoridade do rei de alguma forma, mesmo os deuses fictícios e sub-reptícios. As crianças crescem órfãs das palavras e dos sentidos. Lembro-me da última vez que estive numa cidadezinha, na verdade um ducado, chamada Slavtech. Lugarejo sombrio que fica sob o controle do reino de Satraievna. Dirigia-me, é bom que se saiba, para Sophia, que fica quase cinquenta mil quilômetros desse ducado. Ao descer da carruagem, fui abordado por um certo tipo de guarda que me perguntou quem eu era e o que queria ali. Sem rodeios, disse-lhe que era um artista e que estava de passagem apenas. Pronto. A palavra artista soou como "gente subversiva e desobediente, plena de liberdades". Não deu tempo para um sorriso falso. Algemado, com um tampão feito de retalhos de panos velhos na boca, conduzido a um pequeno calabouço escuro e silencioso, fui.Três dias deixaram-me lá. Havia uma pia e água corrente. Numa mesa de mármore, seis pães. Um recado fixo à parede: beba a água, coma o pão, sirva-se do silêncio. Respeite o silêncio. Não conteste. O contestamento equivale a não mais poder ter contestamentos. Entendi a deixa e deixei-me, atordoado, reduzir às ordens de não sei quem. No terceiro dia, sem resquícios de uma migalha de pão qualquer, fui liberado. Sequer tive a ousadia de dar bom dia. Talvez, ali, tudo fosse proibido partindo de alguém que não fosse o alguém que ditasse o que era ordem prescritivamente só sua. Voltemos a Ynauktialev. E, agora, que fazer, pensou silenciosamente. Pensar de outro modo é pena perpétua! Precisava correr contra o relógio das armadilhas. Contra os ponteiros da astúcia. Contra os dígitos da arbitrariedade. Contra o seu ser já moldado. O frio era o Everest no ponto mais alto. Era o próprio Ártico. Luvas sobre luvas. Casacos sobre casacos. Livros. Alguns. Observou que alguma lei física já conduzia a carroça celeste, trazendo tímidos raios de sol. Respirou fundo. Viu-se qual uma raposa do Ártico. Partiu. Quando alcançou, exausto, os limites do reino, uma felicidade deslumbrante tomou conta do seu espírito. Seria um espírito, desta vez, livre, sentiu, em silêncio, claro. Ao voltar-se, um pouco, observou a cidade reluzente e toda a sua magnanimidade e beleza. Quis chorar. Lembrou-se de que ainda faltavam umas vinte passadas para alcançar a liberdade. Conteve-se. Andou dez passadas. A liberdade estava cada vez mais íntima e total. Mais quatro. Tudo era fulgor e palpitação. Mais cinco. Restava um único passo para Ynauktialev. Silenciosamente, perguntou-se: que fazer? Parou. Parecia ter ouvido algum barulho. Seu coração? Sua mente confusa e cansada? Esticou a coxa adiante, seguida da perna direita. Era um passo. A linha. A linha! Tudo era a linha. Era a felicidade num só passo. O passo decisivo. Aquele que é a liberdade com todos os seus matizes de alegria e cores. Ynauktialev agiu. O medo de ficar retido ao silêncio fez com que a sua laringe liberasse um grito, aqui, no momento, inenarrável. Um grito daqueles que damos quando algo dá certo. E deu. Ynauktialev acabava de libertar-se da própria escravidão. Ele deu um passo para que a opressão fosse questionada. A opressão do não questionamento e do silêncio.


Adriano Nunes

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Com tudo que o instante está construindo"

"Com tudo que o instante está construindo"



Despenca a manhã do báratro infindo.
A esperança em  redor me diz: é isso
Que arquiteta a existência, o compromisso
Com tudo que o instante está construindo.

Em mim imerso, à dor fico insubmisso.
Sei estar por um triz, aqui, sorrindo,
Entre estranhos medos: sonhar é lindo!
Que sou eu senão meu propício abisso?

Desprende-se a manhã... Mescla-se ao mito
O que o devir manteve em si contido:
O que não pode mais ser oprimido,

Do mundo o olhar nítido, além do olvido,
O abrir janelas, portas, o solícito
Sentido do amor, suas leis, seu rito.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Yaretsin" - para Welton Roberto

"Yaretsin" - para Welton Roberto


Talvez Yaretsin não saiba
Ainda o que é a vingança.
Não sente no sangue a raiva
Das neurastênicas massas.
Tudo se reveste da
Máscara duma lei falha.
É isso que Yaretsin capta
Na rádio e rodas diárias.
Crime por crime, constata.
Carne por carne, sem mágoa.
E segue a rotina árdua
De ver sobre a intolerância
Mórbida o laurel e a lança
Sempre pronta para o abate.
Ele não precisa da
Falsa ideia de que vale a
Pena ter a dignidade
A serviço de Hamurábi.
Porém, inquieto, em casa,
Yaretsin viu-se sem alma.
Sonho medonho: três mata
Por matar porque matavam.
Depois, as mãos arrancava
Daqueles que uns furtavam.
Talvez Yaretsin não saiba
Ainda o que é a vingança.
No sonho: as massas o aplaudem!
É isso que a todos basta.
Carne por carne, e tais palmas!
Crime por crime, e mais nada.

Adriano Nunes: "O pódio que desabe" - para Roberto Bozzetti

"O pódio que desabe" - para Roberto Bozzetti


Nem todos os louros da Grécia Antiga
Nem o ouro da Atlântida perdida
Nem medalhas civis ou militares
Nem mesmo as placas comemorativas
Nada disso convém, bom que se diga
Nada disso faz falta a qualquer lida
Nem pedestais de santos nem altares
Nem tronos de nobres sequer de trastes
Nem as honras da recompensa pública
Nem as tais glórias tidas como únicas
Nada disso aqui vale, em nada implica
Nada disso dá alma a qualquer vida
Nem homérica íntima homenagem
Nada: só Arte! E o pódio que desabe!

Adriano Nunes: "Que o amor valha"

"Que o amor valha"


Madrugada.
Que me afaga
Entre as áleas
Da palavra
Que me falta?
Corpo em brasa.
Tara máxima.
Tudo ou nada.
Então alta-
Mente intacta
A voz brada:
Que o amor valha
Não só lágrimas!
Toda mágica
Mesmo falha.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Sir Philip Sidney: "The Bargain" (tradução de Adriano Nunes)

"A barganha" (tradução de Adriano Nunes)


Meu vero amor meu peito tem, e o dele tenho,
Pela permuta justa dum por outro tida:
Permaneço seu bem, e o meu mantém adentro,
Nunca houve barganha melhor conduzida:
Meu vero amor meu peito tem, e o dele tenho,

Seu peito em mim encerro e ele o meu encerra.
Meu peito nele guia os sensos e o pensar:
Ele ama o meu peito, vez que o dele era,
Estimo-o porque em mim ele faz o seu lar:
Meu vero amor meu peito tem, e o dele tenho.


Sir Philip Sidney: "The Bargain"


My true love hath my heart, and I have his,
By just exchange one for another given:
I hold his dear, and mine he cannot miss,
There never was a better bargain driven
My true love hath my heart, and I have his.

His heart in me keeps him and me in one.
My heart in him his thoughts and senses guides:
He loves my heart, for once it was his own,
I cherish his because in me it bides:
My true love hath my heart, and I have his.


SIDNEY, Philip. "The bargain".In:____. The Oxford Book of English Verse 1250-1900. Chosen & edited by Arthur Quiller-Couch. London: Oxford At the Clarendon Press 1912, p. 131.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Ao ser mesclar-me"

"Ao ser mesclar-me"


Dizem que quase
Morro afogado
Naquela tarde
Em que me olhava
No claro lago.
Não sei de nada
Mais. Ninguém sabe,
Enfim. Só dados
E alguns boatos
Maldosos, claro.
Espelhos? Guardo-os
Trancafiados
Em uma sala
Das minhas almas.
E a plúmbea chave
Lancei ao vácuo
Do amor sem fala,
Líquida dádiva.
Mesmo enganado,
Dilacerado
Por causa da
Beleza estava -
Todos espalham
Isso, qual palha
Ao vento, água
Que no riacho
Corre, tão rápida.
Conversam alto,
Querem, de fato,
Que as Ninfas saibam,
Que bem sou náufrago
De mim, sem salva-
Vida, exaltado
Por ver-me, átimo
A boiar para
Sempre, a tentar
Ao ser mesclar-me,
Mera miragem.

Adriano Nunes: "Quebra-cabeça"

"Quebra-cabeça"


Eu só à noite
É só a noite
O sal da noite
É outra noite
O sol da noite
Em qualquer noite
O ser à noite
Ao som da noite
Meu sim pra noite
A vez da noite
Noite, que foste?
A voz da noite
Daquela noite?
Ó, noite, sou-te!

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Depois do amor"

"Depois do amor"


Depois do amor
Foram as ondas de perspectiva
De haver amor
Em todas as coisas
Os arrepios imensuráveis
De haver amor
Além das medidas gastas
De tanto tentar avaliar o amar
Era rasgar o peito e vasculhar
À procura de algum vestígio
À procura de ser
Sim era o amor uma busca estranha
Mas de quê?
Um remexer em tudo
Passado presente futuro
Para sentir o impacto sofrido
Pela existência
A essência de ultrapassar muros
Mares Marte a morte
Um lance mais forte
Depois era deixar acesa a brasa
Das ilusões
Tecendo versos sem preocupações estéticas
Já não havia pressa
Porque sabia ser essa
A forma de agir do amor
Saudade e desassossego
Esse desenterrar de antinomias íntimas
Essa certeza de que tudo dará certo
O céu mais perto
O sol às mãos
Um alargar-se disperso
Em alguma alegoria voraz
Sem coerção um canto
No mínimo
Não era decerto paz
Era poder dizer sem medo
Dizer mesmo
Eu te amo tanto
Era entregar-te o elo
De ser quem me sinto e peso
Com o fluir deixar-me ir
Ser levado pelos dragões amarelos
Do devir
Sorrir


Adriano Nunes: "Às pressas, à Atena"

"Às pressas, à Atena"


Atena, estimada
Deusa, quase agora,
A andar pelo bosque,
Contaram-me as Ninfas
Sobre uma jovem
Tecelã da Lícia
Que se vangloria,
Com vasta alegria,
De ser a melhor
De todas, não só:
Mas também de ser
Superior a
Ti, aos teus bordados.
Assim, curiosa,
Fui, às pressas, ver
Se tal fato, claro,
Era verdadeiro.
Não gosto de intrigas,
Sabes bem, porém,
Ao ver os tecidos
Da jovem, senti
Que a beleza ali
Fazia morada.
Tudo é tão perfeito!
Nunca tinha visto
Nada igual, e nem
Os teus mais divinos
Teares capazes
Serão de aos de Aracne
De fato igualarem-se.
Não fiques zangada!
Quer desafiá-la?
A Hermes já peço
Que, depois, de haver-te
Dado tal mensagem,
À moça mortal
De teu ciúme diga,
Qu' esse desafio
Desde já aceite.
Beijos, ó querida,
De Artemis, amiga.
Está por um fio
A arte, acredita!

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "As asas" - Para Péricles Cavalcanti​

"As asas" - Para Péricles Cavalcanti​


Azul
O mar
De Creta
Está 
Agora.

Preciso
Voar
De volta
Pra Atenas.
É hora!

A cera,
Os nós,
As penas,
As talas,
As cordas,

As asas
São nossas
Ideias,
Palavras
Que rolam.

Vê, Ícaro,
Meu filho
Querido,
O sol
Em volta,

Lá, alto
E quente 
Alerta
O olhar,
Denota:

Perigo
É mesmo
Chegar
Tão perto
Da orla,

Do brilho
Que encanta
E atrai
E tudo
Destroça.

Vê, filho
Sonhado,
Já vinga
Tão tímida
A aurora.

As asas
De nada
Irão 
Servir
À lógica.

Se próximo 
Voares
Das águas
Coléricas,
Soçobras.

Sim, sê
Tal qual
A nuvem
Que o sol
Não toca 

Nem roça
O mar.
Que vasto o
Pensar!
Vambora!

Adriano Nunes: "Ao que será"

"Ao que será"


A acasos dado
O que não dá
Pra ser tomado
Exato: o fado.
Quem saberá
Para que lado
Segue o que há?
Lance marcado
Pra desde já
Tão consumado?
Assim passado,
Presente lá
Vão, tudo atado
Ao que será.

Adriano Nunes: "O olhar sem nortes"

"O olhar sem nortes"


Muito se faz
Para ter paz.
Muito se quer
Uma qualquer.
Não sei se são
Do coração
Esses enganos
Por tantos anos.
A face triste
Que em mim persiste.
O olhar sem nortes
Que me recobre
De dores fortes.
Fio de cobre
Que era o ouro
Que era o louro
Da minha infância
De sonho e ânsia.
Eis que, deitado,
Aqui, no quarto,
Fere-me o fado.
O ser reparto
Em vários, para
Ver se mais clara
Torna-se a vida,
Já corroída
Pela esperança
Que tudo lança
Para depois,
Que será, pois,
A afirmação
Que resta à mão:
Toda a ilusão
Na contramão.

Adriano Nunes: "Nós do íntimo"

"Nós do íntimo"

Ao longe,
No mar,
Das velas
Dos barcos
O cheiro
Bem sinto.
O mar!
Pudesse
Um dia
Lançar-me
Às águas
Marinhas,
Matar
A minha
Vontade
Salina
De ser
Humano
Ainda,
Ah, como
Queria!
Cercado
De mar
Estou.
Desperta
A lida
Refaz-se
Em Creta.
O vento
Atesta:
São velas
Que vêm
Da Grécia.
Tão só,
Aqui,
Estou
Eu, Touro
De Minos,
Tão preso
Aos nós
Do íntimo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Adriano Nunes:"Ao que será"

"Ao que será"


A acasos dado
O que não dá
Pra ser tomado
Exato: o fado.
Quem saberá
Para que lado
Segue o que há?
Lance marcado
Pra desde já
Tão consumado?
Assim passado,
Presente lá
Vão, tudo atado
Ao que será.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Sem coerção" (ou "Esboço para uma canção") - Para Eduardo Aguiar

"Sem coerção" (ou "Esboço para uma canção") - Para Eduardo Aguiar


Estranho
Não sei
Porquê
Porém
Podemos
Até
Bem ver
No que
É que
Dar pode
Um norte
A vista
Atenta
Pro mar
A porta
Aberta
Pra quem
Quiser
Entrar


É claro
Que quando
Você
Vier
Ser pode
Que seja
O sábado
Passado
O armário
Sim pode
Estar
Mudado
O amor
Já pelo
Contrário o
Desejo
Sem métrica
Sem chão
Ou não

Estando
As coisas
Tal qual
Estão
Deixemos
Pra ver
Paguemos
Pra ter
Do ser
O imenso
Prazer
De ser
Porém
Podemos
Tentar
Ir sem
Amarras
Mais longe
Meu bem

É que
Em mim
Enfim
Já não
Há mesmo
Engano
É tão
Estranho
Não sei
Porquê
Só sei
Que acima
Da lei
Da dor
Estão
As notas
Revoltas
Da nossa
Canção

domingo, 11 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Engano"

"Engano"



Eu nunca soube dar qualquer nó em gravata
Somente um dia desses vi que a vida é mágica
Eu nunca soube dar uma resposta exata

Somente um dia desses vi que a vida escapa
Eu nunca soube olhar além do que me marca
Somente um dia desses vi que é tudo ou nada

Eu nunca soube usar direito a minha fala
Somente um dia desses vi que a vida é vasta
Eu nunca soube usar sem medo a minha alma

Somente um dia desses vi que a vida é válida
Eu nunca soube achar como a vida se alarga
Somente um dia desses vi que dei mancadas

Eu nunca soube atar-me à vez que demais valha
Somente um dia desses vi-me fazer cartas
Eu nunca soube atar-me à voz que dá na cara

Somente um dia desses vi-me esquecer áleas
Eu nunca soube pra que servem ódio e mágoas
Somente um dia desses vi-me abraçar causas

Eu nunca soube impor qualquer regra à palavra
Somente um dia desses vi que a vida passa
Eu nunca soube impor-me gostos feito máquina

Somente um dia desses vi que a vida é dádiva
Eu sempre amo amar mesmo a pessoa errada
Somente um dia desses vi que a vida acaba

sábado, 10 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "De tudo que já não há"

"De tudo que já não há"


Aqui onde eu está
Estão os outros e todos
O pensar tempo e lugar
Está a dúvida o poço
De tudo que já não há


Está o estar a sonhar
Está o estar a dizer
Que enterrado aqui também
Onde estou eu pode ser
Que eu em si não esteja

Eu que mais sai do ser do
Que quer que agora aconteça
Dentro da minha cabeça
Eco ego elo erro
Depois da palavra acesa

Que em mim rabisco e até queima
Onde estamos todos bem
Um sem do outro saber
Dentro do meu cosmo-corpo
Um ou outro sem se achar

Como se aqui fosse mesmo
Alegre lar pra morar
Pra que eus em mim inscreva
E respire pouco a pouco
Da poesia o tal ar

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Uma mágica"

"Uma mágica"


Tudo arde
Nesta tarde
Tensa. Faz-se
Viva a face
Da esperança
Que me alcança.
Tudo passa,
Com tal graça,
Que, num lapso
De sol, lanço
À vez lápis
E liames
De metáforas
Pra que já
Bem me ames
Entre anáforas.
Pra que abras
Cadeados,
Trincos, trancas,
Portas, cárceres,
Toda amarra.
Nesta tarde
Tensa, a mágica
Do amor vale a
Pena, álea
Além. Faze-a!

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Até agora, quem?" - Para Mauro Sta Cecília​

"Até agora, quem?" - Para Mauro Sta Cecília​



Quem segura a
Poesia 
Na hora da Poesia?

Quem consegue fugir
Do seu cerco
De luz, laterna, lâmpada, farol de milha?

Quem a intimida
A ponto de
Indicar-lhe a saída?

Na hora da Poesia 
Quem é forte, de verdade,
O bastante para

Dizer não,  para pôr de lado
A imaginação, os assaltos
Súbitos, os sustos das sinapses,

Aquela vontade
De ter papel e lápis
À mão?

Quem se atreve
Ir na contramão
Dos seus métricos abraços,

Dos seus beijos de rimas,
De seus flertes de
Ritmos indescritíveis, insólitos até?

Eis que, aqui, onde é
Proibida a entrada
Dela, ela chega a pontapé,

Quebrando tudo, exigindo
Que se abram portas e janelas,
O que a vida encerra,

Na sala de aula, no quarto,
Até naquele momento exato,
Ela penetra,

E tudo que eu assim diga
À pessoa amada
De artimanha dela não passa.

Quem a amarra
Em sua hora sem hora, sem
Amarras, quem?

Adriano Nunes: "Rasgo"

"Rasgo"


Não é manhã.
Dizem ser tarde...
Mas este luar
A me observar
"É noite!" brada.
A noite alta
Aqui se dá.
Talvez o já
A hora abrace.
A vida é vã,
Mas mais que jades,
Rubis e ágatas,
Toda esmeralda...
Adeus divã!
Quem sabe o mar,
A areia da
Praia, a palavra
Amar, quem sabe
A eternidade
Que em tudo arde.
A madrugada?
O que pensar,
Como se acalma
Sem trauma a alma?
Que instante a apara?
Que sonho a afaga?
Mil portas abre
Séria saudade:

Você virá?

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Beleza e poesia: os liames da indeterminação" (parte I)

"Beleza e poesia: os liames da indeterminação" (parte I)



Vez ou outra, alguns escritores, máxime poetas, quando indagados sobre o que é a poesia, vêm munidos de respostas que nos levam a crer/creditar/supor que a poesia é uma forma de revolução contra qualquer coisa estabelecida ou mesmo não-estabelecida e que, por isso, a beleza de um poema residiria em sua existência fora de qualquer padrão presumido, suposto, imaginado. Vê-se, então, o grande e grave engano que esses autores cometem por causa da própria definição que dão à poesia. 

Assim, analisando essas teses, sob os ditames da razão e também sob os juízos estéticos, desde logo deve ser percebida a primeira tentativa sub-reptícia de que, por essa via estética subversiva, tudo que fosse estranho, não-convencional, destituído de quaisquer regras ou recursos formais seria, por lógica, novo, e tudo que fosse novo, consequentemente, seria belo. Então, teríamos, também por dedução lógica, que admitir que os erros grosseiros e inaceitáveis gramaticais fossem perdoados em nome de uma arte que se pretende obra de arte, teríamos também que admitir que palavras desconexas, postas aleatoriamente, sem constituir qualquer sentido semântico, léxico, constituiriam poemas e estes deveriam ser tomados por belos. 

Se se quer que a poesia seja o contra, primeiro dever-se-ia perguntar: contra o que especificamente? E por quê? Contra a linguagem comunicativa? Mas um poema em si não pretende mesmo comunicar nada. Não seria por isso, tendo em vista o conceito kantiano de o poema ser uma finalidade sem fim, que esses escritores achem, por causa dessa razão, que a poesia deva ser o incomunicável in totum? Não seria então preferível o silêncio a quaisquer rabiscos destituídos do mínimo necessário de inteligibilidade? Ainda nesta perspectiva, acreditam certos poetas que têm que romper com algo, seja presente, passado ou futuro. Portanto, demarcam a linha de beleza nesse estágio de rompimento. Concretizam o seu padrão de beleza no rompimento, mas não apresentam um juízo estético capaz de justificar o que eles aceitam como belo. E quando propõem um pretenso juízo de gosto são ineficazes para universalizá-lo e destituí-lo de interesse. 

Pois bem, chegamos ao cerne do problema estético: incapazes de em seu juízo de gosto afastar quaisquer interesses, propõem, à socapa, um juízo estético impregnado de suas ideologias políticas, reacionárias ou não, de seus arquétipos religiosos, de seus dogmas mais fecundos e cheios de raízes profundas, dando à poesia, além da ausência de beleza, um caráter panfletário, quando muito, pois, numa miríade de vezes, só querem não fazer parte de coisa alguma, principalmente da bela poesia.




Adriano Nunes

Adriano Nunes: "Os 70 anos de Antonio Cicero"

"Os 70 anos de Antonio Cicero"



Não se espantem se ouvirem, hoje, por aí, a flauta de Euterpe, a lira de Erato. Não se espantem se Baco aparecer com o melhor vinho, com seu séquito de bacantes. É o aniversário do grande poeta e filósofo Antonio Cicero, meu amigo amado. A poesia está em festa. O pesamento lúcido, preciso, sob os ditames da razão está em festa. A música brasileira está em festa. Tentar resumir a obra e a importância de Cicero para a poesia e para a música brasileira seria praticamente impossível, até porque poucos sabem que por trás de canções marcantes, belíssimas, por exemplo, está a mão do poeta Antonio Cicero, irmão da cantora e compositora Marina Lima. Assim, vejam, meus amigos, que foi Cicero quem fez a letra para "O Ultimo romântico" cantada por Lulu Santos, e que Caetano Veloso eternizou ao solo de Jacques Morelenbaum (https://www.youtube.com/watch?v=A7H4ElbZUPA). Sabiam que a belíssima canção de Ritchie "Loucura e mágica" (https://www.youtube.com/watch?v=is9X8RXi5GQ) foi feita por Cicero? E a magistral "Inverno" (https://www.youtube.com/watch?v=JpZH7SmEboc) cantada por Adriana Calcanhotto; a perfeita "Granito" (https://www.youtube.com/watch?v=6hP5Fu2H44g) cantada por João Bosco? E a enigmática e brilhante "Bobagens, meu filho, bobagens" (https://www.youtube.com/watch?v=3OjaEmgTfpw) que Caetano deu ar de imortalidade? E as tantas compostas e interpretadas por Marina, como a belíssima e viciante "Fullgás" (https://www.youtube.com/watch?v=ZOZLN7HxMJU), a belíssima "Virgem" (https://www.youtube.com/watch?v=F7u2e8UCyLM) e a ótima e linda "Acontecimentos"? (https://www.youtube.com/watch?v=nzUTdutb4xU). Bem, a lista seria imensa e levar-me-ia a passar horas a repetir as palavras "belíssima", "perfeitas", etc e tal. Cicero, acima de tudo, é humilde, generoso, humano, amigo. Fala mais de 8 idiomas. Traduz. Responde sempre que possível a e-mail e comentários de seus fãs e amigos. Autor do grande poema "Guardar", um dos mais belos escritos em quaisquer idiomas. Não se espantem ao saber que Caetano Veloso disse em "Verdade Tropical" que parte do seu pensamento foi moldado por Antonio Cicero. Veja aqui a passagem do livro:

"Cícero destrói a falsa opção para o Brasil entre a bizarria estridente e imitação modesta. Ter ele chegado a esse ponto, para mim, representa uma confirmação da identidade profunda que senti com sua percepção das coisas, desde Londres. E o faz situar-se, em minha imaginação, não distante do Mautner do transliberalismo delirante - e com batuque.
Mautner é três anos mais velho que Gil e eu, e foi, sob vários pontos de vista, um precursor do tropicalismo (nós o chamávamos com ternura e ironia, de mestre), enquanto Cícero, uns quatro anos mais novo que nós dois (uns sete mais novo que Mautner), foi ele próprio levado a dar guinadas em seu pensamento por causa do que julgava ver no que fazíamos, sendo assim, em alguma medida, uma espécie de seguidor do tropicalismo - embora, é claro, não tivesse motivos para nos chamar, mesmo brincando, de mestres.
Mas eu os apresento aqui juntos nesse paralelo por atribuir a ambos - Mautner sendo mais influente do que Cícero na fase Londrina, e este o sendo mais do que aquele depois da volta ao Brasil - papel decisivo na (não por culpa deles precária) organização do meu pensamento."

Não é à-toa que o mais novo CD de Gal Costa "Estratosférica" abre com a belíssima canção-rock "Sem medo nem esperança" (https://www.youtube.com/watch?v=gJQFzOLgldk) composta por ele e pelo grande Arthur Nogueira, amigo que muito estimo. Bem, Cicero é a Grécia e Ipanema. É a Roma Antiga e as delícias suburbanas de Salvador. Em seu último livro "Porventura", ele dedicou um belo poema a mim chamado "Leblon" (página 55), o que me deixou emocionadamente feliz e grato por existir contemporaneamente a ele, um dos maiores da poesia, da filosofia e música brasileiras. Viva Cicero! Não se espantem se ouvirem as nove filhas de Mnemosine e Zeus louvarem, hoje, alto, alegremente aquele que era chamado pelo pai de "inocente do Leblon".


Adriano Nunes

sábado, 3 de outubro de 2015

Wallace Stevens: "Valley Candle" (tradução de Adriano Nunes)

"Vela do vale" (tradução de Adriano Nunes)



Minha vela queimou só em um vale imenso.
Feixes da noite convergiram sobre ela,
Até que a apagou o vento.
Os feixes da noite imensa
Convergiram sobre a sua aparência,
Até que a apagou o vento.



Wallace Stevens: "Valley Candle"



My candle burned alone in an immense valley.
Beams of the huge night converged upon it,
Until the wind blew.
The beams of the huge night
Converged upon its image,
Until the wind blew.



STEVENS, Wallace. The Collected Poems of Wallace Stevens. New York: Vintage, Reissue edition,1990 p. 51.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Adriano Nunes: "Soneto sem tempo"

"Soneto sem tempo"


Tempo, és um fugitivo!
Rasuro-te em mim.
Escorregas feito líquido.
Escrevo-te em mim.
Estás em ti incontido.
Releio-te em mim.
Agora passas sorrindo.
Estranho-te em mim.
Escapas com um só ritmo.
Alargo-te em mim.
Criaste os medos e os mitos.
Afago-te em mim.
Outra vez esvais-te infindo.
Adoro-te assim.